O que um norueguês é capaz de fazer por uma garrafa de vinho”, traduz Amy, incapaz de dominar a gargalhada que lhe consome o oxigénio na expiração prolongada que lhe vai arroxeando a expressão. A seu lado, Egil Lindholm, que acabou de descompor o animado grupo de turistas noruegueses com a sua tirada certeira, exibe a garrafa de Vinho do Porto com a qual acabou de ser premiado, após dar uma volta completa à Capela de Santa Eufémia carregando um cesto de uvas, como manda a tradição.
A cena decorreu em Parada do Bispo, a uma dezena de quilómetros da Régua, num dos dias desta última semana de vindima. Dez noruegueses – o mais novo já há muito passou os 65 anos – passam o dia na Quinta de Santa Eufémia, contactando de perto com a colheita das uvas e todo o processo de produção do Vinho do Porto, de que todos são já grandes apreciadores. Na verdade, pertencem ao Portvinselskapet, em Oslo, um clube que já reúne cerca de duas centenas de amantes do precioso néctar, e vieram capitaneados pelo fundador, Reidar Dieserud, que pela terceira vez traz a Portugal um pequeno grupo de compatriotas a esta quinta do Baixo Corgo.
Reidar conta-nos como se apaixonou pelo Vinho do Porto, curiosamente numa viagem que em 1998 fez a Lisboa, onde visitou o Solar do Vinho do Porto. “Adorei a bebida, fiquei encantado com as suas múltiplas variedades e matizes. Ao regressar à Noruega, senti que tinha de fazer qualquer coisa para que outros meus compatriotas se pudessem familiarizar com o Vinho do Porto e, depois de contactar o balcão da Tap em Oslo e o embaixador de Portugal no meu país, fui incentivado a criar um clube. Hoje somos duas centenas”, afirma.
Regressemos, entretanto, à Capela de Santa Eufémia, onde as cunhadas Teresa Carvalho e Maria José orientam os turistas que, cada vez mais divertidos, continuam às voltas à igreja. As duas, juntamente com Alzira Carvalho – enóloga e actual coração do processo produtivo – são das mais activas do grupo de sete bisnetos que assumem a 4.ª geração do histórico patriarca da família duriense que em 1864 fundou a Quinta de Santa Eufémia, Bernardo Rodrigues de Carvalho.
Os noruegueses estão cada vez mais entusiasmados e quem se ressente é a tradição. É que a intenção da homenagem à padroeira é agradecer as primeiras e as últimas uvas vindimadas. Os nórdicos, todavia, já transformaram este momento numa prova de atletismo, disputando quem faz o percurso em menos tempo.
A animação resultou, em grande parte, do almoço na quinta, servido na louça de alumínio típica da vindima. Comeram a feijoada com chispe no mesmo recipiente do caldo verde e com a mesma colher e beberam um tinto de estalo pelos pequenos púcaros, hoje ainda mais pequenos para tanta sede.
Trabalho Duro
Para o grupo o dia começou com uma pequena visita a Parada do Bispo e depois às vindimas nos socalcos da quinta. Foram-lhes distribuídos baldes e tesouras e ei-los a levar a tarefa muito a sério. Juntam-se a uma trintena de miúdos dos seis aos oito anos de uma escola da freguesia de Magueija, Lamego, em visita de estudo, que a Quinta também proporciona. Os trabalhadores das vindimas lançam olhares mais divertidos do que sarcásticos aos turistas. As indumentárias, o porte, as mãos bem tratadas e, sobretudo, o modo como cortam os cachos de uvas e os depositam cuidadosamente nos baldes, sem movimentos bruscos de modo a não deixarem cair as máquinas fotográficas enroladas ao pescoço.
Uma hora deste ‘trabalho duro’ é suficiente para perceber o que representam muitas horas de verdadeiro trabalho de vindima por dia, durante muitos dias. De repente, o Vinho do Porto, ou o vinho de mesa, ficou a um preço muito mais justo. “Agora reconheço que o preço de uma garrafa nem é assim tão caro como pensávamos”, confidencia Ornulf Lindberg. |