Nove horas e trinta minutos. Contreiras, freguesia da Ribeira da Janela. Ao lado de um “palheiro”, duas senhoras (mãe e filha emigrada na Venezuela) preparam almoço para mais de dez pessoas. A comida é cozinhada a lenha e já se sente o cheiro. Alguns metros acima, debaixo da latada, uma dezena de homens, mulheres e crianças enchem baldes (os cestos de vimes estão em fase de “extinção” porque quem o fazia — naquela localidade — já morreu).
António Gouveia é o chefe da “comitiva” que, durante três dias, ali vai estar a fazer a vindima. Conta-nos que esta actividade sempre foi um motivo de festa para a família. Enquanto a gente apanha «vai contando anedotas, rindo, e desconversando. Almoçamos todos juntos. Fazemos o vinho e vamos ao mar ao fim do dia. Isto é uma festa».
Este homem, genro do proprietário dos terrenos onde está a ser feita a colheita, estima que, este ano, «o vinho vai ser bom». No entanto, longe vão os tempos em que «a gente fazia mais de seis mil litros de vinho». As perspectivas são as de fazer cerca de 1.400 por dia. «Temos três dias de vindima nesta zona pelo que, não faremos mais do que quatro mil litros. E se for». Alberto Sousa, cunhado de António Gouveia, está emigrado na Venezuela desde 1969. Mas nunca falta a uma vindima na Madeira. Todos os anos, por esta altura, visita a Região e vai apanhar uvas juntamente com toda a família. Diz que «estes momentos são de grande alegria e nostalgia».
A manhã corre rapidamente. José, de 6 anos, e Marta, da mesma idade, correm pela latada de “podão” na mão. Oferecem-se para colaborar na apanha da uva mas são mais aquelas que levam à boca do que as que atiram para dentro do balde. José e Marta gostam de ajudar nesta tarefa mas confessam que estão desejosos de regressar à escola.
Os baldes, quando cheios, vão sendo transportados para o lagar localizado no outro lado da estrada, mesmo à beira-mar. Ao meio dia, já o lagar está quase cheio. Faz-se um intervalo para o almoço.
A mesa improvisada através de uns blocos e de uma placa de cimento, acolhe várias travessas de semilha cozida com casca e alguns pratos de atum de escabeche. Os homens, mulheres e crianças que participam na vindima lavam os braços numa fonte improvisada junto ao lagar e alinham-se no banco de cimento debaixo da latada. Comem apressadamente mas pouco, demonstrando que têm pressa em prosseguir o trabalho. À uma da tarde, já estão de volta aos terrenos. Pelas 14 horas, já com o lagar completamente cheio, os homens (mais pesados e “musculosos”), conforme dizem as mulheres, calçam as botas de água e atiram-se para dentro do lagar, onde, aos “pulos” e em sintonia, esmagam a uva ali colocada.
As mulheres continuam na latada a encher mais baldes para o dia seguinte.
Um ensopado à maneira
Mãe e filha que tiveram a responsabilidade de fazer o almoço, começam, também a esta hora, a preparar a “jantarada”. Para variar, «vamos fazer carne. Um ensopado à maneira».
No lagar, a pisa continua e os quatro homens que estão lá dentro suam até dizer chega. Confessamos que nunca pensámos que a pisa da uva exigia tanta energia. O que vale é que Alberto Sousa, de fora do lagar, vai servindo, a miúde, pequenos copos de vinho feito na hora (com um pouco de aguardante e muito mosto). «Uma delícia», diz quem aprecia.
Para além disso, nada como umas cantiguinhas para ajudar aos que participam na pisa da uva a esquecerem o cansaço e arranjarem mais força para a repisa que virá dentro de meia hora, depois de espremido o “engaço”.
«Eu fui ao norte da ilha/e vi dançar o bailinho. Gostei da brincadeira/e fui deitar um pézinho», dizia Alberto Sousa. «Fui às Contreiras a pé /Para beber uma pinguinha de vinho jaqué», cantarolava ainda. O entusiasmo foi aumentando e quando Alberto Sousa chegou ao refrão, já mais vozes se juntaram às cantorias: «Entra na roda e toda a gente nela/Para dançar o bailinho da Ribeira da Janela». |