A temporada de eventos de vinho de 2006 começou para valer no Rio de Janeiro e São Paulo com a Wine World Experience, encontro organizado pela importadora La Pastina de 25 a 28 de abril, e teve seqüência na semana passada na capital paulista com a Expovinis, a mais importante feira do setor na América Latina.
O que ambos apresentaram demonstra que o mercado brasileiro continua crescendo de forma consistente, e quem vem de fora, produtores e palestrantes convidados, fica muito bem impressionado com o que presencia. Jorge Lucki/Valor
Alguns expressam isso efusivamente, caso de Giampaolo Motta, proprietário da vinícola toscana de ponta La Massa, bem dentro do seu alegre espírito napolitano - ele se mudou para a terra do chianti no final da década de 80 -, enquanto outros o fazem de maneira mais comedida, estilo do francês Michel Bettane, do "meio" milanês Daniele Cernilli e do inglês Stephen Brook, os três jornalistas de primeira grandeza em seus países.
A rigor, a World Wine Experience e a Expovinis têm características distintas. A primeira reúne produtores representados com exclusividade no Brasil pela importadora e o público tem a possibilidade de conversar diretamente com seus responsáveis, presentes no local, ao mesmo tempo em que pode provar o que cada um elabora. A segunda, por outro lado, é realmente uma feira, com mais de 12 mil metros quadrados, reunindo um grande número de importadoras, estandes institucionais de países e regiões produtoras (Provence e várias de Portugal, África do Sul e Uruguai, por exemplo), além de vinícolas nacionais.
Com um painel mais ou menos amplo, o fato é que nesses eventos os vinhos deixam de ser meras fotografias ou citações de catálogos e se escancaram de verdade, permitindo ao consumidor eleger suas preferências com conhecimento de causa. Marisa Cauduro/Valor
Além de propiciar ao interessado condições de provar uma infinidade de vinhos por conta própria, os dois eventos ofereceram um programa de degustações paralelas de alto padrão. Nelas, os atrativos não foram só os rótulos escolhidos em cada painel, mas também a possibilidade de ver como os convidados estrangeiros conduzem a palestra e suas abordagens com relação às amostras e ao assunto tratado.
Se Michel Bettane encantou pelo domínio que ele tem como poucos sobre temas em torno da França - grandes champagnes, borgonhas tintos e bordeaux 2000 - e idem Danielle Cernilli no que se refere à Itália, ambos no encontro da La Pastina, vale um comentário especial sobre como o convidado da Expovinis, Stephen Brook, analisa um vinho.
Como todos os bons ingleses versados na matéria, Brook tem grande visão internacional e vasta cultura. Esses atributos advêm do fato de a Inglaterra, por não ser país produtor e ter séculos de tradição no consumo de vinhos, prepara conhecedores ecléticos e com sólida formação, que se preocupam em divulgar a cultura do vinho. É uma postura bem diferente do que simplesmente dizer ao consumidor o que ele deve comprar, como acontece com os críticos americanos, que priorizam um frio e discutível sistema de pontuação.
A mentalidade - ou mesmo o cuidado - tão típica dos ingleses de formar consumidores, tem um bom exemplo no londrino Steven Spurrier (que esteve no Brasil no ano passado), que se mudou para Paris na década de 70 e abriu a primeira escola de vinhos da França voltada para amadores, a celebrada Academie du Vin. Foi Spurrier também quem participou do lançamento do primeiro wine-bar na capital francesa, o Willi´s Wine Bar, ainda reputado e copiado.
Stephen Brook, que escreve para a conceituada revista Decanter onde, aliás, tem como colega Steven Spurrier (ele voltou à Londres no final dos anos 80), preza o caráter e o diferencial dos vinhos. Ainda que ressalte o lado prazer e uma vinificação bem conduzida do que se está provando, ele chega a criticar vinhos que não expressam seu terroir, sua identidade.
Um exemplo bem significativo dessa maneira de pensar e agir ocorreu na degustação de grandes vinhos sul-americanos realizada no segundo dia da Expovinis. O eleito para vilão foi um belo tinto chileno, o D.O.N. 2002, top de linha da nova gama lançada pela vinícola Santa Helena. Embora eu o tenha elogiado - procede de vinhas antigas, com mais de 90 anos, tem boa estrutura e taninos firmes -, Brook, sem deixar de ressaltar seus aspectos positivos, criticou o vinho, dizendo que não saberia dizer sua origem se tivesse degustado às cegas.
Foi no sentido de aproveitar ao máximo a visão particular (e muito procedente) dos ingleses que Stephen Brook foi exaustivamente utilizado na Expovinis. Ainda que ele tenha comandado "apenas" a prova de grandes borgonhas tintos da safra 2001, seus comentários abrilhantaram as outras degustações constantes do programa especial da feira.
Na primeira, celebrando os 250 anos da demarcação da região do Vinho do Porto, que se comemora este ano, perfilaram-se oito grandes Vintages 2003, sua safra mais recente e, reconhecidamente de excepcional qualidade. Sob os auspícios do IDVP, Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto, órgão máximo do setor na região, e comandada pela maior autoridade sobre o assunto no Brasil, e um dos maiores do mundo, o especialista Carlos Cabral, a noite foi um sucesso.
A despeito de ser difícil apontar preferências, ficaram num primeiro plano Graham´s, Noval, Fonseca e Taylors, e em seguida Ferreira, Warre´s, Adriano Ramos Pinto e Burmester. Arrematando, foi servido um Real Companhia Velha 70, para dar uma pequena noção da evolução de um Vintage.
No painel reservado aos sul-americanos, além do citado D.O.N., de corte bordalês, representando o Chile entraram o Ventisquero Grey Syrah 2002, mostrando o belo estágio em que se encontra e o futuro promissor da uva Syrah naquele país, e o Conde de Superunda 2001, uma novidade da Miguel Torres, renomada vinícola catalã e uma das primeiras estrangeiras a se instalar em terras chilenas (importado pela Reloco). Destaque para esse Conde de Superunda, o que sinaliza que a Miguel Torres está acertando o passo para ocupar uma posição importante no cenário vinícola do Chile, o que, incompreensivelmente, até agora não acontecia.
Ainda pelo lado chileno foi incluído um branco, o único do painel, mas de forma mais do que merecida: o Sauvignon Blanc Cipreses 2004, da Casa Marin (representado pela Vínea), considerado o melhor do gênero em seu país e, porque não, da América Latina.
Pelo Uruguai entrou o Filgueira Tannat Premium 2002 (trazido pela importadora Decanter), que mostra bem o caráter da uva emblemática do país e o estilo europeu, com belo frescor que os caracteriza. O time argentino contou com o Iskay 99 (Impexco), apresentando sinais nítidos de evolução; o sedutor e típico Magdalena (Interfood), um vinho premium de produção limitada a 10 mil garrafas, elaborado pela Toso a partir de 95% Malbec e 5% de Cabernet Sauvignon, sob a supervisão do competente consultor Paul Hobbs; e por fim o internacional e disputado Cheval des Andes (Moet Hennessy do Brasil), fruto de uma joint-venture entre a Terrazas e o reputado premier grand cru classe de Bordeaux, o Château Cheval Blanc.
Abrindo espaço para o vinho nacional, como faz habitualmente, a Expovinis 2006 apresentou em primeira mão um grupo com os melhores tintos produzidos no Brasil, todos da excelente safra 2004, tida como a melhor que o estado do Rio Grande do Sul fora até então beneficiado (em princípio só é superada pela 2005).
Salientando que esses vinhos não estão ainda no mercado, foram provados o Pizzato Cabernet Sauvignon, Aurora Cellar Proprietary Red, nome ainda provisório do top de linha da vinícola Aurora, o Miolo lote 43, o Miolo Merlot Terroir, o Quinta do Seival Cabernet Sauvignon, o único da região da Campanha, no sul do estado, o Desejo Merlot, o mais novo lançamento da Salton, o Talento, rótulo já consagrado da mesma Salton, e o Lídio Carraro Quorum.
Os comentários elogiosos e absolutamente sinceros de Stephen Brook, que se declarou impressionado com a qualidade dos vinhos nacionais - ele nunca havia provado - serve como prêmio a esse pequeno grupo de vinícolas que tem a mente aberta e se esforça para atingir sempre um padrão superior. E dão a cara para bater. Infelizmente, são poucos os que, afora estes, têm a mesma visão. A maioria se engana, achando que seus vinhos são muito bons e nada fazem para progredir. Às criticas se defendem como injustiçados. São os mesmos que não expuseram seus rótulos na feira, achando que deveriam receber o espaço de graça.
A degustação mais aguardada do evento deste ano foi sem dúvida a de borgonhas tintos, composta por vinhos inéditos no Brasil. E correspondeu às expectativas, pela seleção dos rótulos, por serem todos da mesma safra, a bastante boa 2001, e mais ainda se for levado em consideração o valor de R$ 300, que cobre apenas ao custo da garrafas lá fora. Isso sem contar a presença de Stephen Brook, que tem na Borgonha uma de suas grandes especialidades e onde, inclusive, ganhou um prêmio recentemente em atenção à qualidade dos artigos que ele escreveu sobre a região. Sua explicação inicial sobre a importância do produtor quando se trata de borgonhas foi uma prévia do que se comprovaria em seguida - os seis terroirs de primeira grandeza de onde partiram os vinhos apresentados estavam muito bem caracterizados.
Foram eles: Volnay premier cru Clos des Ducs, de Marquis d´Angerville, o Pommard les Vignots, do Domaine Leroy, o Vosne Romanée premier cru les Brulées, de Méo Camuzet, o Echezeaux grand cru, do Domaine des Perdrix, o Clos Vougeot, de Robert Arnoux, e o Gevrey Chambertin premier cru Clos St Jacques, de Armand Rousseau. Como disse Mario Telles, presidente da ABS de São Paulo, com este padrão e com tanta identidade entre os vinhos é impossível eleger preferências. De acordo. |