Já se sabia que os ratinhos viviam mais tempo quando passavam fome. Agora parece que um ingrediente do vinho tem o mesmo efeito. Será também um elixir da juventude nos humanos?
Vai um copo de vinho tinto? Se David Sinclair, cientista da Faculdade de Medicina de Harvard, nos Estados Unidos, aceita esta sugestão e aprecia um bom copo de vinho tinto ao jantar é algo que desconhecemos. O que sabemos, porque já o revelou publicamente, é que todos os dias toma uma pílula à base de uma substância presente no vinho tinto e na pele das uvas pretas - o resveratrol.
A família e metade do laboratório de Sinclair não resistiram aos eventuais efeitos milagrosos desta substância. Há uma razão que os impele a tomar estes comprimidos, vendidos como suplementos por várias empresas, que, na verdade, ainda ninguém sabe se funcionam mesmo: podem conter o segredo para um coração jovem e uma vida mais longa.
Ninguém é obrigado a seguir-lhe o exemplo, avisa Sinclair - mas ele, pelo sim, pelo não, vai continuar a tomar as cápsulas e esperar que a ciência lhe diga, daqui a várias décadas, o quão certo ele estava no início do século XXI.
Em 2004, fundou mesmo a empresa Sirtis, em Cambridge, nos EUA, para desenvolver fármacos que imitassem os efeitos do resveratrol. A Sirtis dirigiu a sua investigação para o desenvolvimento de fármacos que actuam sobre umas proteínas - as sirtuínas - que se pensa estarem envolvidas na preservação dos tecidos do corpo.
O que é que as sirtuínas têm a ver com o resveratrol? A relação entre ambos foi lembrada anteontem pelo jornal The New York Times. Primeiro, vários estudos têm concluído que passar fome, uma forma radical de restrição calórica, induz o corpo a entrar em modo de sobrevivência, procurando preservar os seus tecidos. A vida pode ser prolongada, pelo menos segundo os estudos em animais como ratinhos. E as sirtuínas podem ser o gatilho que leva o organismo a entrar nesse modo de preservação.
Em 2003, as investigações de Sinclair mostraram que as sirtuínas podiam ser activadas por algumas substâncias naturais - incluindo o resveratrol, um ingrediente já conhecido do vinho tinto, da pele das uvas pretas ou das romãs.
David Sinclair e outras equipas começaram então a testar os efeitos do resveratrol em ratinhos. Em 2006, por exemplo, o cientista anunciava na revista Nature uma experiência com ratinhos que, em vez de fome, tinham tido uma dieta muito rica em calorias. Cedo surgiram problemas por comerem demais: tornaram-se obesos, apresentavam sinais de que a diabetes estaria iminente e morreram mais cedo do que aqueles que tinham uma alimentação saudável. Os ratinhos que tomaram grandes doses de resveratrol ficaram gordos na mesma, mas evitaram a maioria dos efeitos negativos de uma dieta rica em calorias.
Passar fome
O famoso paradoxo francês (comer gorduras, nomeadamente queijos, acompanhadas de vinho tinto) parecia encontrar aqui uma explicação possível.
Uma advertência: não desatemos a beber vinho, para obter o mesmo efeito, porque o resultado certo seria a morte por bebedeira. Os ratinhos obesos tomaram uma dose de resveratrol equivalente a 24 miligramas por cada quilo corporal. Como um litro de vinho tinto tem entre 1,5 e 3 miligramas de resveratrol, uma pessoa de 75 quilos teria de beber 600 a 1200 garrafas por dia para obter a mesma dose.
Agora, a equipa de Tomas Prolla e Richard Weindruch, da Universidade de Wisconsin, nos EUA, diz que o resveratrol pode ser eficaz em doses consideravelmente mais baixas - equivalentes a "apenas" 35 garrafas de vinho por dia, segundo as experiências em ratinhos normais publicadas na revista PloS ONE. Tendo em conta o elevado metabolismo dos ratinhos, então uns quatro copos de vinho, de 148 mililitros cada, já se aproximam da quantidade eficaz no ser humano, diz Richard Weindruch.
Esta equipa testou a actividade genética dos ratinhos em resposta quer a uma restrição calórica quer a pequenas doses de resveratrol. "A restrição calórica é altamente eficaz na extensão da vida de muitas espécies. Se lhes dermos menos comida, a resposta celular a este stress fá-las viver mais tempo. Neste estudo, o efeito nos genes de pequenas doses de resveratrol foi comparável aos da restrição calórica, o marco da extensão da vida", sublinha outro autor do estudo, Christiaan Leeuwenburgh, da Universidade da Florida.
A influência do resveratrol nos genes ligados ao coração foi um dos aspectos explorados no estudo (há pelo menos 1029 genes cujas funções sofrem alterações com o envelhecimento). Os resultados nos ratinhos forçados à fome são idênticos aos do grupo que tomou doses baixas de resveratrol.
Só que esta equipa de investigadores diz que não observou qualquer alteração das sirtuínas nos ratinhos esfomeados. Como actua então o vinho? Que gatilho prime o resveratrol para que o corpo entre em modo de sobrevivência? Se não for o gatilho das sirtuínas, este trabalho traz boas e más notícias para David Sinclair. Se acertou no alvo do resveratrol, já a sua aposta nas sirtuínas pode sair furada. Até sabermos a resposta certa, o melhor é beber um copo de vinho. |