Era bom mas acabou-se. Pelo menos na adega da Casa Ermelinda Freitas. As 10 800 garrafas de Syrah 2005 não chegaram para as encomendas após ser conhecido o "inesperado" resultado do concurso dos enólogos Vinalies Internationales 2008, em Paris, em prova cega, que distinguiu o vinho produzido em Fernando Pó (Palmela) como o melhor tinto do mundo. Concorreram três mil participantes, de 36 países. A distinção aguçou a curiosidade nacional. A colheita de 2006 vai estar à venda dentro de 15 dias.
Leonor Freitas, que há mais de uma década gere a casa fundada pela avó Ermelinda em 1920, não esconde o orgulho, enquanto mostra os seis hectares onde tudo começa. A área total de vinha da empresa chega aos 130 hectares, mas é naquele "cantinho" que a casta Syrah dá as célebres uvas para um tinto de excepção. Leonor assegura que esta casta do Sul de França, que há 25 anos foi recuperada por australianos, tem condições especiais por terras de Fernando Pó, uma região situada entre a foz de dois rios, Sado e Tejo.
É a abundância de água que contribui para uma maturação homogénea nos meses de Julho e Agosto, quando a planta precisa de humidade, sendo que à proximidade de mar proporciona verões mais amenos. Daí o Syrah ter garantido em 2005 uma colheita agora reconhecida internacionalmente, quando Portugal vivia mais uma seca extrema que agudizou a crise na agricultura.
Depois da vindima e do processo de vinificação, o Syrah estagiou nove meses em barricas de madeira de carvalho, cujo corpo é francês, enquanto o topo tem origem americana. Uma particular combinação que, segundo Leonor Freitas , "dá um gosto especial. Faz, de facto, diferença", revela a empresária, que recorda o dia em que foi chamada pelo enólogo Jaime Quendera, com quem trabalha há dez anos, para provar o vinho, depois das misturas que conduziram ao sucesso. "Tenho uma grande confiança nele, mas achei logo nessa altura que o vinho estava óptimo", relata.
Os especialistas definem o Syrah como tendo uma tonalidade rubi carregado, quase opaco, devido à elevada concentração, apresentando um aroma maduro com toques de melados e alguma especiaria conferida pela própria casta. Na boca, que é o que conta, o melhor tinto do mundo é encorpado, com muito volume, cheio e tem muitos taninos, mas não agressivos. Os taninos são o que amargam o vinho, dando-lhe longevidade. O sabor fica muito tempo na boca.
O engarrafamento do célebre néctar foi feito em Março de 2007 e cada uma das 10 800 garrafas produzidas - um quilograma de uvas enche um exemplar de 75 centilitros - foi vendida a 20 euros. Metade da produção seguiu para o estrangeiro. "É pena não termos mais. A procura é enorme e gostávamos que todas as pessoas provassem, mas nunca imaginámos que iríamos vencer", admite Leonor Freitas, anunciando para o final do mês o lançamento do Syrah 2006. "É da mesma vinha, da mesma parcela de terreno e estagiou no mesmo tipo de barricas. Será muito idêntico, mas não podemos dizer que vai ser igual. Afinal, estamos a falar de um produto biológico."
A casta Syrah foi introduzida há seis anos na Casa Ermelinda Freitas e logo mostrou os seus atributos. Já no ano passado a Adega de Pegões tinha conquistado a Grande Medalha de Ouro em Bruxelas. É curioso: nos supermercados da região não há Syrah que resista. Mesmo as colheitas anteriores a 2005. |