O Vinho de Carcavelos enfrenta hoje um negócio "muito difícil" fora dos hipermercados, mas os produtores esperam um impulso com a criação, em Cascais, de um museu dedicado a este aperitivo/digestivo centenário.
Para António Gomes, 54 anos, é "quase impossível" não se render ao primeiro copo de Carcavelos e a célebre deixa de Fernando Pessoa "primeiro estranha-se, depois entranha-se" jamais poderia ser aplicada ao gosto adocicado - "menos enjoativo do que um Porto" - do vinho que produz a partir dos dez hectares de vinhas que pertencem à região vitivinícola de Bucelas, Carcavelos e Colares.
Caseiro desde 1988 da Quinta da Ribeira de Caparide, propriedade do Patriarcado de Lisboa, fala do seu "néctar dos deuses", com 19 a 22% de álcool, obtido através das videiras que cultiva no local, no Mosteiro de Santa Maria do Mar e nas quintas privadas da Samarra e dos Pesos.
"Às vezes até se faz uma mistura - de uma vem o aroma, de outra o sabor, de outra o grau [de álcool]. Quanto maior a graduação das uvas, menos aguardente leva, mas é um ingrediente obrigatório e escolhido pelo Instituto da Vinha e do Vinho", contou à Lusa."Nem todos os anos se faz o Vinho de Carcavelos, porque tem de envelhecer na madeira cerca de três ou quatro anos, e seria uma despesa muito grande estar sempre a envasilhar. Passados três séculos sobre o início da produção do "ex-libris" de Carcavelos e 100 anos sobre a demarcação da sua região, os números confirmam a tendência declarada pela Comissão Vitivinícola local, que aponta para uma diminuição de produção de 86,2 % entre os períodos de 1933/37 e 2000/04.
António Gomes garante não poder fabricar mais vinho, já que o consumo é cada vez menor e suportado apenas por alguns restaurantes, empresas e autarquias, que aproveitam a redução do preço da garrafa de 17,50 para 14 euros no caso de comprarem mais de trinta unidades.
"O negócio está mau, a venda é muito difícil. Não percebo como pode haver marcas que conseguem manter preços muito baixos - ou são de fraca qualidade ou misturados com vinhos de outros países - porque com máquinas, impostos alfandegários, material de engarrafamento e o nosso tempo e trabalho, eu não consigo, sinceramente", lamenta. O que vale é que há "pessoas que apreciam muito a Câmara compra grandes quantidades no Natal, há um senhor de Torres Novas que costuma vir cá buscar para revenda e até os reis de Espanha, que têm uma casa no Monte Estoril, compram sempre que vêm cá", refere.
Enquanto responsável no terreno da firma Seminagro, derivada do Patriarcado, António já rejeitou propostas de parcerias com grandes superfícies, por exigirem "demasiados" investimentos, e acredita que o melhor impulso para o negócio é a aposta das Câmaras de Cascais e Oeiras - onde existe uma pequena unidade de produção na Estação Agronómica Nacional - numa maior divulgação. Por isso, considera que a exposição "A Vinha e o Vinho em Carcavelos", patente no Centro Cultural de Cascais até 31 de Dezembro, e o projecto para o futuro Museu da Vinha e do Vinho de Carcavelos, na antiga Adega da Quinta do Barão, são já um sinal de que a actividade pode crescer.
A expectativa é partilhada pelo presidente da Câmara de Cascais, António Capucho, que prevê inaugurar o novo espaçonum prazo estimado entre um ano e meio e dois. |