"Não sabemos que rumo dar à vida"
"Tondela: Produtores esperam angustiados solução para adega falida" (ANTETITULO)
O Primeiro de Janeiro | 29-05-2006

Os 800 associados da adega cooperativa de Tondela estão em suspenso à espera da próxima quarta-feira, dia em que termina o prazo para as ofertas de potenciais compradores. A falência da cooperativa espelha bem as fragilidades do sector, e os produtores são o elo mais fraco.

Longe da lufa-lufa de outros tempos, a adega cooperativa de Tondela aguarda silenciosa uma decisão sobre o futuro, prevista para o fim do mês, podendo deixar centenas de produtores sem destino para as uvas da próxima vindima. Numa situação inédita na região do Dão, que segundo responsáveis do sector confirma as fragilidades do sistema cooperativo e da vitivinicultura, a adega de Tondela declarou falência, esperando agora os produtores que alguém se mostre interessado em comprá-la para prosseguir a sua finalidade original.

A base de licitação apregoada num leilão realizado em meados do mês (3,969 milhões de euros pelo imóvel e vinho em stock) não agradou, no entanto, aos presentes, e a leiloeira está a receber ofertas até à próxima quarta-feira. “Por agora nem sabemos que rumo dar à nossa vida. Vamos ver o que acontece até dia 31”, disse à Agência Lusa Casimira Dinis, dona de uma vinha na freguesia de Nandufe, e uma dos cerca de 800 associados da adega.

Juntamente com o marido, António Marques, e a pensar no futuro do filho, a antiga funcionária do Registo Civil decidiu arrancar uma vinha com mais de 40 anos, que herdou do pai, e plantar uma nova. “Fomos incentivados pelos responsáveis da adega a plantar qualidades novas, como Tinta Roriz, Jaen e Touriga Nacional, porque este ano já não iriam receber o vinho das castas antigas”, explicou o marido enquanto, perdido no meio de meia dúzia de dossiers, tentava fazer as contas às despesas efectuadas até hoje. As facturas coleccionadas desde então são muitas e, por isso, António Marques tem dificuldades em chegar a um valor, que, no entanto, estima ser avultado. “A vinha foi arrancada em 2001 e a nova plantada em Fevereiro de 2002. Nesse ano já tínhamos gasto 800 contos. Em 2003, só ao homem da enxertia, pagávamos dez contos o dia”, contou o antigo funcionário da EDP.

Já as contas do dinheiro recebido no âmbito do projecto de reconversão da vinha apresentado ao Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas (IFADAP) são mais fáceis de fazer. “Foram 37 contos, mais 37 e depois mais 18, pagos em três anos, o que não chega a 100 contos”, lamentou, explicando que é às duas reformas que ele e a mulher vão buscar dinheiro para os gastos constantes a que a vinha obriga. Com a vinha já a produzir, o casal pensava entregá-la ao filho, mas admite que, dadas as circunstâncias, não tem coragem para o fazer. “Agora temos uma vinha nova e não sabemos o que fazer. Vamos deixá-la morrer?”, questiona Casimira Dinis.
Vicente Silva, um dos mais antigos associados da adega, que tem vinhas na freguesia de Tonda, também está apreensivo em relação ao futuro, até porque, além de uma pequena reforma, os seus rendimentos provêm da agricultura, maioritariamente do vinho. “Se realmente não houver quem pegue naquilo (na adega) e receba as uvas, fico aqui com uma linda paisagem”, disse, com amargura, apontando para a vinha.

“Seria mau, muito mau, porque nem nos adianta fazer o vinho em casa, uma vez que só se tiver 13 ou 14 graus é que o conseguimos vender nos cafés”, corrobora o seu amigo Orlando Antunes, da mesma freguesia. Associado da adega desde 1971, Vicente Silva lembra que “as coisas começaram a entortar há oito ou nove anos”, estimando que, desde 2002, tenha a receber mais de 15 mil euros. No ano passado, depois de o tribunal ter decretado o processo de insolvência da adega, em Agosto, uma comissão de associados decidiu juntar-se, obteve autorização judicial para usar as instalações e recebeu as uvas dos produtores. “Graças a esta gente de coragem, no ano passado a situação resolveu-se. Mas, e este ano, como vai ser?”, pergunta Vicente Silva. Segundo os dois produtores de Tonda, muitos dos sócios da adega “já fugiram para outros lados, nomeadamente para adegas de Nelas, Carregal do Sal e Mangualde”. “Mas só quem tiver transporte próprio para levar as uvas é que o pode fazer, senão o lucro fica todo pelo caminho”, afirmou Vicente Silva. A garantia dada durante o leilão pelo presidente da Câmara de Tondela, Carlos Marta, do PSD, de que a autarquia “não autorizará nenhuma especulação imobiliária no local”, conseguiu dar algum alento aos produtores.
Também o director-geral da União das Adegas Cooperativas do Dão (UDACA), Agostinho Marques, considerou tratar-se de uma atitude “extremamente louvável” por parte do autarca que assim “defendeu um património do concelho que é a vitivinicultura e os produtores que, doutra forma, ficarão órfãos”.

Insatisfeita está também a Agência de Leilões da Covilhã que, até à data, ainda não recebeu por escrito qualquer proposta, nem uma de dois milhões de euros falada durante o leilão, atribuída a um empresário que estava no Canadá. “As pessoas devem estar a aguardar até ao dia 30 ou 31 para enviar as propostas, pensando que assim são favorecidas”, comentou Claúdio Ranito, da leiloeira, acrescentando que “várias têm apresentado propostas verbais, mas ainda nenhuma foi passada a escrito”.
 
União das Adegas e Profissionalização

A falência da adega de Tondela, criada há 57 anos, foi a primeira na região do Dão e “a terceira ou quarta a nível nacional”, mas o director-geral da União das Adegas Cooperativas do Dão (UDACA), Agostinho Marques está convencido de que, se a profissionalização não chegar rapidamente ao sistema cooperativo, muitas acabem por ter o mesmo fim. “Tenho a certeza de que isso acontecerá, não só no Dão, mas em todo o país. É um processo que tem vindo a acontecer lentamente, com alguma agonia e prejuízo dos produtores, que ou não recebem o dinheiro ou o que lhe pagam é um valor muito simbólico”, lamentou. Agostinho Marques admitiu à Lusa ter ficado “bastante desiludido com o leilão e com os valores que foram propostos (o máximo foi 1,1 milhões de euros)”, que não considera admissíveis, “ainda que se trate de um sector em crise”.
 
 
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