Promessas de sociedade financeira causam suspeição no Alto Douro vinhateiro
Público | 16-08-2006

ADR evoca negociações com Governo e API, que são negadas por Manuel Pinho e Basílio Horta.

Uma sociedade financeira de capitais de risco americanos, a ADR Capital, prometeu apoiar o saneamento financeiro do sector cooperativo da Região Demarcada do Douro (RDD), mergulhado numa profunda crise. Em encontros no Alto Douro vinhateiro, os responsáveis da ADR anunciaram interesses na área do turismo, evocaram contactos com membros do Governo e adiantaram a possibilidade futura de proporcionar às instituições ligadas ao sector do vinho do Porto o acesso a empréstimos com taxas de juro altamente compensadoras e com bonificações decorrentes de protocolos com a API, mas as promessas anunciadas causaram surpresa e suspeição.
Confrontado recentemente pelo PÚBLICO, o ministro da Economia, Manuel Pinho, mostrou desconhecer a ADR e estranhou o teor das promessas avançadas pela financeira (ver caixa). Basílio Horta, presidente da Agência Portuguesa de Investimentos (API), também nega a existência de qualquer negociação com a sociedade de capital de risco estrangeira, admitindo apenas a realização de uma reunião entre ambas as instituições. "Não temos nenhum protocolo [com a ADR]. Os seus responsáveis apresentaram-se na API, mostraram interesses em projectos na área do turismo e foram enviados para a API Capital", afirmou ao PÚBLICO Basílio Horta.
Segundo este responsável, a reunião com a API realizou-se em Junho. No entanto, ao que o PÚBLICO apurou, a ADR Capital invocou contactos com a agência portuguesa pelo menos um mês antes, nas reuniões com as adegas cooperativas da RDD e com a Casa do Douro. "O que dissemos foi que houve conversações entre a ADR e membros do Governo para uma possível colaboração a nível institucional entre a ADR e a API", assegura António Garcia Rubio, presidente da ADR Capital para Portugal.
Segundo intervenientes nos encontros, o líder da ADR anunciou que poderia proporcionar às instituições durienses o acesso a meios financeiros, com alguns anos de carência, que lhes permitisse não só pagar as dívidas à banca tradicional como ainda realizar investimentos. A taxa de juros a vigorar durante os empréstimos seria de 6 por cento, com uma bonificação de 3 por cento, graças à inclusão dos contratos no suposto protocolo com a API na área do Plano de Desenvolvimento Turístico do Vale do Douro (PDTVD).
 
Alerta da Casa do Douro
Alegadamente, a contratualização dos empréstimos passaria pela abertura prévia de contas em off shore e pelo pagamento adiantado de taxas de abertura e de processo e de uma comissão de 5 por cento sobre o valor anunciado. É sobretudo este ponto que causa suspeição. "Uma instituição que contratasse um empréstimo de cinco milhões de euros, por exemplo, teria que avançar com 125 mil euros à cabeça", exemplifica Manuel António dos Santos, presidente da CD.
 
"Sou muito céptico em relação a estes negócios", assevera Fernando Pinto, da Adega Cooperativa do Vale do Rodo. "Quando a esmola é grande, o pobre desconfia", comenta José Manuel dos Santos, da Cooperativa de Lamego, que também preside à União das Adegas Cooperativas do Douro (Unidouro).
A reunião das cooperativas durienses com a ADR foi convocada por esta organização, segundo José Manuel dos Santos, a partir de um contacto com Fernando Azevedo, presidente da adega de Vila Nova de Foz Côa, alegadamente a primeira adega duriense a contrair um empréstimo, junto de uma intermediária espanhola da ADR (ver caixa). Quando soube do encontro com as cooperativas, o presidente da CD enviou-lhes um fax, alertando para a falta de provas sobre a "fiabilidade, legitimidade e legalidade" da financeira.
 
Cooperativa de Foz Côa já "contraiu" empréstimo
 
A ADR ainda não está em condições de celebrar contratos de empréstimo em Portugal, sendo que, alegadamente, estes são feitos através da sua intermediária espanhola, a Financiación Multicanal, com sede em Vigo. Segundo Alberto Tapada, um pequeno empresário duriense que tem sido o principal rosto da ADR no Douro vinhateiro, a intermediária espanhola já celebrou "diversos contratos de empréstimo" no país, entre os quais com a Adega Cooperativa de Vila Nova de Foz Côa. Ao PÚBLICO, Fernando Azevedo, presidente desta adega, não confirma a informação, admitindo apenas estar a negociar um empréstimo - que Tapada assegura que já foi concretizado -, mas não avança valores, nem mais pormenores. Azevedo diz que o projecto da ADR é "brilhante" ("Pode ser a salvação das adegas do Douro", enfatiza) e adianta que a cooperativa foz-coense "tem tudo pronto para ser a primeira a aderir" logo que a sociedade financeira opere em Portugal.
 
"200 mil milhões de dólares?!"
 
A ADR Capital promete investir em Portugal 200 mil milhões de dólares (140 mil milhões de euros) nos próximos 10 anos, através de um fundo de investimentos constituído nos EUA. A informação, dada ao PÚBLICO pelo espanhol António Garcia Rubio, presidente da ADR Capital, deixou boquiaberto e o ministro da Economia, Manuel Pinho. "200 mil milhões de dólares?! Mas isso é 1,5 vezes mais do que o nosso produto interno bruto!", exclama o governante. Manuel Pinho afirma desconhecer a ADR Capital, o que contraria a informação de Garcia Rubio de que o projecto da financeira para Portugal já é do conhecimento das "mais altas individualidades" do país. Recentemente, durante uma cerimónia em Vidago, por intermediação do governador civil de Vila Real, o governante foi abordado por um representante da ADR, Alberto Tapada, que lhe solicitou uma audiência. Segundo Garcia Rubio, a sociedade está interessada em investir em sectores como o turismo, lazer, vitivinícola e as florestas. Projecta constituir em Portugal uma "entidade própria", com escritórios em Lisboa e no Porto e com capital "exclusivamente português". "Há gente em Portugal muito forte que vai absorver todo o investimento americano", explica Rubio, prometendo que a ADR Portugal será formada por "gente importante da economia, das finanças, da política e da sociedade portuguesa".
 
 
English