Depois dos Estados Unidos, UE autoriza África do Sul a comercializar vinhos com as menções vintage, tawny e ruby. A Austrália vem já a seguir.
As expressões tradicionais do Vinho do Porto - vintage, tawny e ruby - deixaram de ser um exclusivo português, e poderão passar a ser utilizadas em vinhos, incluindo os de mesa, produzidos noutras partes do Mundo. Esta situação é o resultado da autorização que está a ser dada pela Comissão Europeia a vários países terceiros para utilizarem estas expressões no rótulo dos seus próprios vinhos: depois de ter aceite incluir esta possibilidade no acordo bilateral sobre vinhos e bebidas espirituosas formalizado com os Estados Unidos da América, em Dezembro passado, Bruxelas prepara-se para conceder brevemente a mesma autorização à África do Sul.
Apesar dos protestos expressos na altura pelo ministro da Agricultura, Jaime Silva, Portugal não teve qualquer possibilidade de impedir as duas decisões, que resultam de uma competência da Comissão Europeia. Lisboa apenas teria podido impedi-las se tivesse conseguido reunir uma maioria qualificada de votos dos Vinte e Cinco contra a proposta, um limiar que não foi atingido em nenhum dos dois casos. E, segundo o que o PÚBLICO apurou, a mesma possibilidade está a ser negociada no quadro de um acordo bilateral com a Austrália, que está já em fase de conclusão.
Moeda de troca
O ministro Jaime Silva, que acusara em Dezembro a Comissão Europeia de ter sacrificado as expressões tradicionais do vinho do Porto como moeda de troca para conseguir o acordo global com Washington, abrindo um precedente para qualquer outro país, conta pedir explicações a Marian Fischer-Boel, a comissária europeia responsável pela Agricultura. "Juridicamente, Portugal não tem qualquer possibilidade de atacar a Comissão, porque ela agiu no quadro das suas competências", declarou ao PÚBLICO. Mas, prosseguiu, "vou escrever à comissária para a fazer perceber que a Comissão terá agora de fazer alguma coisa para ajudar o vinho do Porto a afirmar-se no mercado americano".
Bruxelas alega que a autorização foi dada aos dois países ao abrigo de um regulamento aprovado pelos Governos europeus em 2004. Esse regulamento acabava com a distinção anteriormente feita entre as expressões tradicionais que podiam ser utilizadas pelos Estados-membros da UE - e que garantiam uma ligação exclusiva entre as menções vintage, tawny e ruby e o vinho do Porto - e as que eram autorizadas nos países terceiros. Segundo Bruxelas, a distinção entre as duas listas era contrária às regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e tinha de ser corrigida.
Vantagem para os países anglófonos
O novo regulamento permite, assim, aos países terceiros utilizar as expressões tradicionais europeias desde que, nomeadamente, estas existam na respectiva língua e legislação nacional, e tenham sido utilizadas durante pelo menos dez anos.
Estas regras tornam as menções do vinho do Porto particularmente vulneráveis pelo facto de serem expressas em língua inglesa, o que transforma qualquer país anglófono num candidato potencial à sua utilização. O que, para Jaime Silva, significa que "até mesmo os vinhos de mesa" poderão vir a ser etiquetados com estas expressões.
O ministro reconheceu que a origem do actual problema com os Estados Unidos da América
e a África do Sul está, precisamente, nessa decisão de 2004, lamentando o facto de os responsáveis da altura não terem reagido a tempo de a evitar. "Deve ter havido uma grande passividade do lado português", lamentou. A pasta da Agricultura do governo de então, chefiado por Durão Barroso, era assumida por Armando Sevinate Pinto, que protestou contra a medida, mas não conseguiu, igualmente, reunir a maioria qualificada de votos suficiente para a travar.
O Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto (IVDP) está a preparar uma acção que contrarie a intenção da Comissão Europeia de permitir à África do Sul a possibilidade de utilizar as menções ruby, tawny e vintage nos seus vinhos. Segundo o PÚBLICO apurou, o documento está já elaborado e será entregue muito brevemente ao Ministério da Agricultura e a Bruxelas. Na base da discordância do IVDP está o facto da vulgarização destas menções acarretar graves prejuízos para o sector, a braços com uma diminuição de 0,4 por cento do valor das vendas de vinho do Porto (dados de Outubro de 2005). Recorde-se que, no final do ano passado, a União Europeia autorizou os Estados Unidos da América a utilizar aquelas menções, após negociações muito difíceis, nas quais os americanos terão ameaçado uma denúncia à Organização Mundial do Comércio, por alegadamente os regulamentos europeus violarem as normas do comércio livre. Ribeiro de Almeida, jurista do IVDP, defende que aquelas designações devem ser protegidas de novas investidas. |