Eça de Queiroz e o Vinho do Porto
J. A. Gonçalves Guimarães | O Primeiro de Janeiro | 25-01-2006

Celebra-se este ano de 2006 os 250 anos da demarcação pombalina do Douro para a produção dos vinhos que haveriam de correr mundo com o nome da cidade por cuja alfândega eram exportados: os vinhos do Porto.

Dizemos de propósito “os vinhos do Porto” porque nunca o produto em causa foi só “um” mas sim de várias qualidades, aromas, cores, merecimentos, idades e preços, com limites qualitativos difíceis de precisar, não obstante a ajuda da geologia, da economia, da moda e, mais recentemente, da enologia. Mas aquilo a que chamamos “Vinho do Porto”, nas suas diferentes aparências “clássicas”, foi fixado pelas exportações pós-napoleónicas para o mercado londrino que o definiu no comércio internacional. Não foram o Porto, nem os armazéns de Gaia, nem muito menos o Douro, quem definiu o padrão deste blend: foi o “mundo”.
Na obra de Eça de Queiroz, o Vinho do Porto tem uma representação constante, como muito bem anotaram diversos autores e, entre eles, Dário Moreira de Castro Alves no seu livrinho O Vinho do Porto na obra de Eça de Queiroz. Sintra: Colares Editora, que praticamente esgota o tema. Aí se encontram as alusões ao “1815”, ao “1834” ao “1847” e aos de todas as ocasiões em que convém beber Porto.

Têm merecido no entanto menos interesse as relações de Eça de Queiroz com os produtores e exportadores desse vinho, com os quais fatalmente se encontrou no Porto, em Gaia, máxime na Granja, por onde passavam todos nas ânsias de conviverem com a nobreza da capital, em Londres e ainda em outros lugares. E também as suas relações com o “vencido da vida” Luis Pinto de Soveral, futuro marquês de Soveral que, além de ser oriundo de uma família de produtores de vinhos do Douro, durante a sua carreira diplomática em Inglaterra teve ocasião de defender a genuinidade do Vinho do Porto perante as falsificações portuguesas (pois então!) e estrangeiras que invadiam o mercado inglês. É possível que o próprio Eça, na sua actividade consular, tivesse algumas vezes de lidar com o assunto Porto, que as cidades de Havana, Newcastle, Bristol e Paris tão bem conheciam.

Enfim, num ano em que se anunciam vários eventos para recordar os 250 anos da demarcação pombalina, convém não esquecer aqueles escritores internacionais, como Eça de Queiroz ou Tolstoi, que deram ao Vinho do Porto o grande estatuto de bebida mundial. Tal não será acção de somenos, dado que o habitual é o chamarem-se à colação os literatos locais que chamam à jeropiga da terra “o verdadeiro vinho do porto, o generoso, o fino, o do lavrador”, passando rapidamente daí para as excelências dos tacanhos projectos locais, defendidos a todo o custo em detrimento dos grandes desígnios regionais e nacionais e desde que haja subsídio. Lendo Eça, meditando no que ele escreveu e procurando mesmo aspectos novos e desconhecidos na sua vida e obra, talvez compreendamos que «ora o inglês [já não] é o nosso maior freguês: e não teremos pois de ora em diante quem nos consuma na sua quase totalidade o nosso Vinho do Porto; os nossos minérios, as nossas frutas, o nosso sal, a nossa cortiça. Para não arruinar o Porto, Aveiro, Setúbal, o Alentejo, etc., seremos forçados a procurar novos fregueses - o que, neste século de áspera, feroz, tumultuosa concorrência, se vai tornando a mais pavorosa das dificuldades humanas». (O «Ultimatum» in Cartas Inéditas de Fradique Mendes, p. 249). Isto escreveu Eça há mais de cem anos; desde então ainda estamos a procurar «quem nos consuma na sua quase totalidade o nosso Vinho do Porto», insistimos em vender os nossos fracos minérios, deixamos apodrecer as frutas nas árvores, já importamos sal e derrubamos sobreiros para fazer condomínios fechados. Ah! E somos europeus.
 
 
 
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