Luísa Amorim, uma das três filhas de Américo Amorim, está à frente da Quinta Nova, o negócio de vinhos da família na região do Douro, e de um hotel rural. Passou pela corticeira, mas foram as vinhas que acabaram por decidir uma carreira sem depender da ?sombra? do pai.
Luísa Amorim é filha do homem mais rico do País - Américo Amorim tem uma fortuna avaliada em mais de 3,8 mil milhões de euros -, mas recusou sempre ficar na "sombra" do pai. Aos 40 anos, Luísa é uma mulher segura: "Quando era mais nova, passei por fases mais complicadas, há uma altura de adaptação, que não é fácil", reconhece Luísa. Construiu "um escudo de protecção" e traçou o seu percurso profissional e familiar. Precisou de se impor.
O estigma ‘é filha de quem é' obrigou-a a procurar o seu caminho. "Independentemente de ter um pai muito conhecido, quis ser eu a fazer o meu percurso", frisa. Luísa Amorim reconhece que o papel de sombra "claramente incomoda". Construiu a sua vida profissional, licenciou-se em marketing e é bacharel em direcção hoteleira. Reconhece ser uma mulher mais pragmática que "marrona": "Sempre gostei mais de aprender do que estudar". Por isso, ainda com o percurso académico por finalizar, já trabalhava na Quinta do Lago, no Algarve, e, pouco depois, na Quinta da Marinha, em Cascais.
A sua primeira experiência de trabalho no universo do grupo Amorim foi na Figueira da Foz, onde abraçou o projecto de estreia da marca hoteleira Mercure em Portugal e desenvolveu um turismo integrado no casino da cidade, na altura, explorado por uma empresa do pai. Foram duas experiências à sua medida, porque, como a própria admite, gosta de desafios e de criatividade - aliás, quando era mais jovem e tinha mais tempo, um dos seus ‘hobbies' era a pintura. Por isso, recusa aquilo a que chama de "hotelaria de manuais".
Já com algum ‘know how' na área inicial de formação, partiu para os Estados Unidos para estudar marketing e aperfeiçoar o inglês. Quando regressou ainda "era muito jovem" e, após uma passagem pela consultora Deloitte, foi "definido com a família um plano de trabalho" no universo empresarial do grupo Amorim.
Uma mulher entre homens
Foi operária na Corticeira Amorim (a empresa-mãe do grupo familiar), carregou pranchas de cortiça, "um trabalho que era visto como de homem e menos de senhora, hoje algumas mulheres já se integraram", escolheu "matéria-prima, sempre em pé, no meio dos homens", seleccionou rolhas. "Era como se fosse uma estivadora, que acaba por ter a admiração dos colegas e isso também aconteceu comigo", conta. "Passei por todas as áreas da corticeira", liderada actualmente pelo primo António Rios Amorim. Luísa tem assento como vogal no conselho de administração da Corticeira Amorim e não demonstra ambição por este negócio: "Está com o meu primo António, não faz sentido três ou quatro galos na mesma capoeira, somos vários, há várias empresas". Viajou ainda para conhecer ‘in loco' os negócios do grupo fora do país. E viajar é uma das suas paixões.
Por essa altura, Américo Amorim compra a Burmester e Luísa assume a reestruturação do departamento de marketing. "Era uma micro-empresa a entrar no universo de uma grande empresa familiar", era necessário fazer a "união cultural". A Burmester acaba por ser vendida aos espanhóis da Sogevinus, mas a família Amorim decide ficar com a Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo e a Quinta de S. Cibrão, em Sabrosa, Douro, num total de 250 hectares.
Luísa ficou à frente deste negócio. Pegou na marca Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo e, em sete anos, colocou os seus vinhos em 27 países. "Viajei durante quase três anos para o estrangeiro, duas semanas por mês, para ganhar mercados. Hoje, as exportações já valem mais de metade das vendas", que no ano passado atingiram dois milhões de euros, conta. Recentemente a ‘Wine Advocate', revista do conceituado crítico norte-americano Robert Parker, integrou três vinhos tintos da marca na lista ‘Best of 2013' devido à sua "alta qualidade". Desde 2005, o projecto já recebeu nove milhões de euros de investimento.
Pela estrada fora
O local de trabalho fica a duas horas de automóvel da sua residência habitual, no Porto, uma das suas cidades preferidas, que oferece "qualidade de vida". Tem duas filhas pequenas e não se quer "excluir da função de mãe", que considera insubstituível. Por isso, faz-se à estrada pelo menos uma vez por semana. Na última, contudo, "é a quarta vez que cá venho, mas é uma excepção", de qualquer forma "tenho de estar quando há as vindimas, visitas de clientes, importadores e quando tenho de fazer lotes", conta a executiva.
Os lotes são uma imagem da marca e "todos têm de ser fechados por mim, não há nenhuma garrafa que saia desta casa que não seja aprovada por mim", frisa Luísa Amorim.
A Quinta Nova coloca actualmente 300 mil garrafas ‘premium' e ‘super premium' no mercado. E quer aumentar a produção. Uva tinta existe e até se vende, já a branca é comprada - pois a localização ensolarada da Quinta Nova não permite produzir uva branca de qualidade. "Estamos em fase de alargamento do portefólio, de lançar novas referências para o exterior", revela Luísa Amorim. Na Prowein, uma das mais importantes feiras de vinho do mundo e que arranca domingo, em Dusseldorf (Alemanha), a Quinta Nova vai apresentar o tinto ‘Collection', "um quase reserva de 20 mil garrafas só para o mercado externo".
Não é trabalho fácil. "Portugal não tem notoriedade, também não tem má imagem, mas perdeu o primeiro comboio da promoção, quando países como a Austrália, Chile e Espanha fizeram uma grande campanha. Tem oportunidade de ir na segunda viagem. É um país visto como exótico, com muitas regiões vinícolas e 250 castas, tem essa mais-valia enorme, um imenso carácter vitivinícola e não sabe valorizar - não basta ter um bom vinho, é preciso saber vendê-lo, ir ao mercado, conhecer o comprador", explica. O Douro é um pouco mais conhecido no mundo, "está na moda e a notoriedade dada pelo vinho do Porto abre portas". Para Luísa Amorim, o vinho do Porto é a "grande marca, que toda a gente conhece, como conhece o champanhe, e é essa notoriedade que se deve explorar". Move-a o desafio de garantir "a manutenção do sucesso da marca, não deixar que ocupem o nosso lugar".
A Quinta Nova não é só vinhos. A propriedade, que se estende em abismo para o rio Douro, é adornada por uma casa senhorial oitocentista adaptada a hotel rural - o primeiro hotel vínico do país. São 11 quartos que respiram o ambiente único do Douro e os sons de uma natureza esquecida pela urbe. A taxa de ocupação da unidade é de 45% ao ano, "o que é muito bom na região e para o tipo de turista" que procura este tipo de lazer. São sobretudo franceses, alemães, americanos - que "procuram o Douro, são eno-aficionados". O negócio ainda não dá lucro, mas já teve bons ‘cash flows'. Entretanto houve mais investimento e quebras de produtividade por falta de água. "Este ano, devemos ganhar um novo músculo", vaticina.
Luísa Amorim gosta "muito de vinho - tinto e branco, de vinho do Porto, champanhe, gin" e só é esquisita "para o que não tem qualidade". Com os amigos, num ambiente descontraído, aprecia beber um copo, mas reconhece que "bebe cada vez menos e prova cada vez mais".
Nem só de trabalho se faz a vida de Luísa. Gosta de estar com os amigos e com a família. É "casadíssima com Francisco Rêgo" - que trabalha na ‘holding' da família Amorim - e assume que a família "é a prioridade". Quer que as filhas tenham uma "boa educação em casa e na escola, que sejam motivadas e concentradas para, mais tarde, fazerem as suas opções". Em férias, adora viajar com os três e sempre para locais diferentes. Já das festas de sociedade afasta-se um pouco. "Gosto de viver a minha vida, não a dos outros. Essas festas não me dizem nada. Falar de banalidades? Gastar o nosso tempo com pessoas que realmente não se conhece, com quem não se priva, parece-me uma inversão de prioridades". |