Sandra Tavares da Silva foi bem recebida quando começou a trabalhar como enóloga no Douro: "Ninguém me olhou de lado por ser mulher. Talvez a memória de D. Antónia Ferreirinha tenha ajudado."
Estabelece a ligação com a senhora oitocentista do vinho do Porto com naturalidade, de igual para igual com o mito. Explica depois que os durienses são desconfiados: "Foram enganados e roubados durante séculos." Porém, quando reconhecem as capacidades do forasteiro - homem ou mulher -, apoiam-no e defendem-no. De início, inquiriam, suspeitosos: "A senhora engenheira sabe podar?" Sabe podar. Licenciou-se em Engenharia Agronómica, em Lisboa, e já tinha antecedentes na área do vinho. Um avô possuía uma quinta em Alcochete e a rapariga desde cedo pisou uvas no lagar. Em 1987, o pai comprou a quinta de Chocapalha, em Alenquer, e as ligações à lavoura solidificaram-se. Em 2001, depois de especialização em Itália - já trabalhava como enóloga na Niepoort. Em 2003, passou para a Quinta do Vale D. Maria, perto do Pinhão, e fala com amor das vinhas velhas com muitas castas misturadas que, em anos excepcionais, resultam em néctares magníficos. Sandra conta que em estruturas pequenas uma enóloga se responsabiliza também pela parte comercial.
É uma mulher ousada. Em 2001, ela e o marido Jorge Serôdio Borges, enólogo da Quinta do Passador - arranjaram um armazém e começaram a fazer vinho com uvas compradas. Em 2003, adquiriram uma quintinha em Vale de Mendiz, com dois hectares e meio, e nasceu o Pintas. Cinco mil garrafas de tinto, três mil de vinho do Porto (a partir de 2003) e algum branco (a partir de 2004) com uvas compradas, mas pretendem tornar-se donos do terreno. Sandra é ousada, mas prudente. Gosta de andar devagar, para chegar depressa: "Há que ganhar consistência." Quer montar uma estrutura que lhe permita vender a mercadoria. Tanto na Quinta do Vale D. Maria como no caso do Pintas, mais de 70 por cento do produto é exportado. Há que dominar a terra, a adega e as linhas do mercado externo, pois Portugal não chega para escoar todo o vinho. Por enquanto, é com os ordenados de ambos que Sandra e Jorge pagam as aventuras.
Sandra Tavares da Silva, elegantísima, nem sempre esteve ligada ao vinho. Quando estudava Agronomia, arredondava os fins de mês com os proventos de uma actividade insólita: era modelo. Passava roupa nas 'passerelles' de Paris ou Milão, de Londres ou Nova Iorque. "Gostei, diverti-me, ganhei dinheiro e viajei." As viagens parecem ser, aliás, a pedra-de-toque da sua vida. Ser enóloga também a obriga a deslocar-se ao estrangeiro, apresentar os seus vinhos e conhecer os dos outros. Aprender. Uma das maneiras de ultrapassar o corte com a vida urbana que a vida no Douro exige. "Não sinto saudades de Lisboa. Tenho uma vida social intensa. Há muitos jovens aqui a trabalhar no vinho e encontramo-nos nas casas uns dos outros.
E estão sempre a aparecer jornalistas e investigadores." Sonha fazer azeite, vinagre e pão, para compor a mesa mediterrânica.
Simpática e optimista, quando critica é implacável: os maus restaurantes do Douro, que cortam a ligação entre gastronomia e vinho; os tanoeiros portugueses que 'tostam' a madeira das pipas; os negociantes nacionais de aguardente vínica - essencial no vinho do Porto -, tão má que obriga as casas honestas a comprá-la em França; o Instituto do Comércio Externo de Portugal (ICEP) que não consegue, talvez por falta de dinheiro, criar um ícone de Portugal; o 'benefício', papel que permite vinificar as uvas para Vinho do Porto e que às vezes é transaccionado sem uvas. Uvas que acabam por ser vendidas por tuta e meia. "Uma espécie de subsídio que alimenta a mediocridade." "O vinho é modernidade." No entanto, as suas uvas são pisadas a pé; a sua terra pequena, de socalcos estreitos, é lavrada com charrua e mula. Sandra quer compatibilizar tradição e futuro: o vinho é fermentado obedecendo a todas as técnicas de vanguarda. "Não se deve alienar a tradição, mas as quintas são empresas." A eternidade parece assegurada: Sandra está grávida. |