Evolução ajuda a explicar sabor de vinhos
Canal de Notícias dos Açores | 03-03-2006

A diferença entre tomar um vinho fino e um rasca depende da habilidade do vinicultor e tem mais a ver com arte do que com ciência -até agora. A biologia molecular já consegue explicar algumas diferenças entre vinhos bons e ruins e cada vez mais vai influenciar a produção vinícola.

"Essa arte está a ser guiada pela ciência para muitos produtores de vinho, e a tendência vai continuar com uma crescente contribuição de tecnologias de base e conhecimentos moleculares", escreveram Steven T. Lund e Joerg Bohlmann, da Universidade da Colúmbia Britânica, Canadá, em edição recente da revista "Science" (www.sciencemag.org).

O motivo é a evolução biológica e a interacção entre plantas e animais herbívoros. É da relação da videira com o ecossistema que vai depender a qualidade do vinho -e isso inclui a "comunicação" da planta com as suas vizinhas e os seus potenciais inimigos, tema de vários artigos científicos num dossier do periódico.

As plantas usam substâncias químicas para tentar manipular os animais, de modo a evitar que comam as suas folhas, ou as suas sementes quando os frutos estão verdes. Mas também tentam atrair herbívoros, principalmente quando podem ajudar a disseminar as sementes comendo frutos.

Por outro lado, novos estudos sobre as substâncias que as plantas emitem permitem explicar por que determinado composto pode piorar um tinto feito com a uva merlot, mas melhora subtilmente o gosto de um vinho branco feito com a uva sauvignon blanc --variedade ideal para o verão, segundo os enólogos, especialistas na bebida.

É o caso das metoxipirazinas. Seres humanos conseguem detectá-las em proporções baixíssimas, da ordem de partes por trilião, possivelmente para evitar o consumo de frutas verdes e ácidas, dizem Lund e Bohlmann.

Esses compostos se concentram nos frutos verdes e são metabolizados aos poucos durante a maturação, o que vai depender do clima. Tudo bem para o sauvignon blanc, péssimo para o merlot.

Aquelas diferenças de sabor entre um vinho e outro que os enólogos conseguem distinguir e deixam os mortais comuns estupefactos têm origem em compostos como os terpenóides, dúzias dos quais podem estar presentes de modo distintos nas variedades de uva.

A maturação das uvas acontece em duas fases básicas. Na primeira, depois da formação do fruto, há um crescimento rápido, durante o qual a polpa acumula ácidos orgânicos. O processo torna o gosto mau para aves e mamíferos e evoluiu para evitar que o fruto seja comido enquanto as sementes ainda não estão maduras.

O crescimento do fruto então se estabiliza, enquanto as sementes ficam maduras. A segunda fase começa com o amadurecimento da casca e da polpa. É quando a casca das variedades tintas fica avermelhada e acumulam-se açúcares como a frutose.

Com o fruto mais vistoso e saboroso, os animais são atraídos. Os viticultores procuram fazer a colheita num momento em que há um equilíbrio ideal entre os compostos presentes na uva, o seu grau de açúcar e acidez.

Até agora, saber isso é "mais arte que ciência", como lembram os autores. Mas as novas pesquisas prometem revelar os segredos bioquímicos da maturação da uva e dos compostos que fazem a diferença entre um vinho de guarda e um com vocação para vinagre.
 
 
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