O Instituto da Vinha e do Vinho previu uma quebra acentuada da produção de vinho no final das vindimas - que já arrancaram por todo o país. Mas o mais importante é a qualidade.
O mundo português dos vinhos - que engloba a quase totalidade do território salvo as praias e os centros das cidades - já entrou na azáfama e na ebulição das vindimas. A festa - é de uma festa que se trata - decorre ao longo do próximo mês e agrega um ano inteiro de esperanças, medos e sulfato, que viticultores e enólogos atiraram sobre as ramadas, numa dedicação apaixonada que não tem paralelo no mundo quase morto da agricultura.
São poucas semanas que permanecem uma incógnita até os lagares estarem cheios daquela espuma e daquele cheiro que não se confundem com nenhum outro cheiro nem com nenhuma outra espuma, e que uma manhã de chuva a mais ou uns minutos de granizo deslocalizado no tempo e na hora podem atirar para o fundo do desalento.
As previsões para este ano não eram, à partida, as melhores: o Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) coligiu um documento em que dava nota da precariedade quantitativa da vindima deste ano, depois de meses em que as doenças tradicionais (míldio e oídio, principalmente) evoluíram como lhes apeteceu, na esteira de um ano com poucas chuvas e quase nenhuns frios que limpassem os bagos de mazelas desnecessárias.
O IVV dava indicação de que a vindima entretanto em curso iria ficar 1,2 a 1,5 milhões de hectolitros abaixo do realizado no ano anterior. À partida, essa indicação não foi entendida como a eminência de um desastre. Por uma razão simples: a vindima de 2010/2011 apurou uma produção total nacional da ordem dos 7,1 milhões de hectolitros - o que representava um crescimento de 21% em relação ao ano anterior, só comparável à vinificação atingida em 2006/2007 (7,5 milhões de hectolitros). Ou seja, o vinho em carteira (em stock) abunda em todas as regiões, e uma vindima não tão ‘cheia' como a do ano anterior está longe de colocar os viticultores em estado de alerta. Bem pelo contrário.
Mas, um périplo pelas principais regiões vitivinícolas do país permite concluir que, em princípio (a vindima ainda não acabou em nenhum lado), a quebra geral de produção - que o IVV estimava situar-se entre os 17% e os 22% - não deverá atingir as proporções anunciadas por aquele organismo do Ministério da Agricultura.
Região a região
De Norte para Sul, o mundo português começa na região dos vinhos verdes, para onde o IVV previa uma excepção - a única no território continental, aliás: um aumento da produção da ordem dos 5% (mais 50 mil hectolitros). Manuel Pinheiro, presidente da Comissão Vitivinícola dos Vinhos Verdes, confirmou ao Diário Económico essa perspectiva: "a produção deverá ser um pouco superior à de 2010/11", o que irá reflectir-se negativamente no preço da uva, "mas sem grandes alterações. Na área do Alvarinho (na fronteira entre o Minho e a Galiza), o aumento de produção poderá ser um pouco mais expressivo que no resto da região. A má notícia é que o stock de vinhos na região aumentou face ao ano passado, o que não é bom para os produtores (recorde-se que a capacidade de envelhecimento do Vinho Verde é muito pequena, e parte dos stocks seguem para a transformação em aguardente).
Na região do Douro, que cruza com o Verde por alturas de Baião, a produção será claramente menor, mas as quebras talvez não atinjam os 25% declarados pelo IVV. Paul Symington, um dos maiores produtores da região, disse que "a vindima será claramente mais pequena", mas nada que faça perigar a produção regional - que, por outro lado, tem muitas pipas cheias de produção de anos anteriores. Segundo aquele produtor, o último acidente no Douro deu-se por alturas do S. João (24 de Junho), quando "as uvas da casta Barroca desapareceram do mapa". "Muitos produtores ficaram com a vindima feita", disse Paul Symington.
Em Trás-os-Montes, é possível que suceda uma situação semelhante à do Douro: o IVV previu uma quebra de produção da ordem dos 7%, devido principalmente à instabilidade climatérica, mas talvez as coisas fiquem mais próximas da vindima anterior.
Arlindo Cunha, ex-ministro da Agricultura e actual presidente da Comissão de Viticultura do Dão, disse que "a colheita na região será seguramente inferior à do ano passado". Mas a redução proposta pelo IVV (25%) não deverá ser atingida. Quando muito, disse Arlindo Cunha, a redução deverá situar-se entre os 15% e os 20% mas, não quis deixar de salientar, "sem que estas previsões tenham rigor científico, são apenas baseadas nas opiniões dos produtores".
As sub-regiões que estão associadas ao Dão - Bairrada e Beira Interior - deverão seguir as mesmas pisadas: não deverão atingir as quotas previstas (10% para a Bairrada e 30% para a Beira).
Na região do Tejo, as perspectivas dos operadores mudam de tom. O presidente da Comissão Vitivinícola, José Pinto Gaspar, disse ao Diário Económico que a quebra de produção poderá ser pior que a prevista pelo IVV (22%). E exemplificou: "a adega de Almeirim tem uma redução na produção de vinhos brancos que atingiu os 50%". Sem ter uma certeza onde a quebra poderá chegar, Pinto Gaspar afirma que, de qualquer modo, "as vendas e as exportações não estão em perigo, dado que só 30% do vinho produzido na região é certificado" como DOC.
Na enorme região de Lisboa, a Comissão reforça a previsão do IVV: "estamos à espera de uma redução de 17%, devido à instabilidade do tempo", que originou uma anormal propagação de doenças, afirmou o técnico Alexandre Andrade.
No Alentejo, a redução segue em linha com o previsto pelo IVV. O Instituto avançara com uma previsão de quebra de 18% e Dora Simões, presidente da Comissão local, avançou que "não será superior aos 20%", numa altura em que os brancos já estão praticamente todos a estagiar no remanso dos armazéns e a azáfama se circunscreve aos tintos. Na sub-região de Setúbal, contígua ao Alentejo, a redução deverá ser da mesma ordem de grandeza.
No Algarve, fonte oficial da Comissão afirmou que a produção também segue em linha com as previsões do IVV: uma quebra de 15% face ao ano anterior.
Finalmente, nas ilhas - onde não foi possível falar com nenhum responsável - as previsões do IVV apontam para a manutenção da produção na Madeira e para um assinalável aumento nos Açores (mais 65%, alteração que fica a dever-se à produção muito limitada, onde qualquer variação tem uma influência percentual muito grande).
A questão e a qualidade
Mas a grande questão, quando a conversa é vinhos, é bem mais a qualidade que a quantidade. E nesta área tudo leva a crer que os apaixonados (englobando-se agora os que se limitam a comprar vinho) podem estar descansados: todos os responsáveis contactados são unânimes em afirmar que estamos perante um ano de grandes vinhos.
Dora Simões, do Alentejo, foi particularmente enfática quando pré-apreciou o que se prepara nas largas planícies alentejanas: "vai ser muito bom". E Paul Symington não podia ser mais óbvio: "Se tudo se mantiver como até aqui [na terceira semana de Agosto] é muito possível que estejamos perante um ano ‘vintage' no Vinho do Porto".
Postas as coisas neste pé, a conclusão a tirar é que o mundo do vinho está possivelmente perante um ano muito positivo: não está a trabalhar para os stocks e a qualidade poderá ser de primeira ordem. Isto se o clima - que tão pouco ajudou durante o ano - se mantiver quieto no seu fim de Verão disfarçado de Outono: sem chuvas com muito a declarar, sem granizos que venham estragar tudo e sem a inclemência do Sol, que agora se quer afastado das últimas uvas.
Um sector suspenso nas notícias, provavelmente más, sobre o IVA
Os responsáveis do sector dos vinhos estão suspensos na eventualidade das más notícias: o IVA vai ou não vai aumentar? É que, se o Governo legislar no sentido do aumento do imposto sobre o consumo - e nada indica que em definitivo não o venha a fazer - o sector dos vinhos vai passar por uma fase de grande dificuldade.
O consumo de vinhos tem vindo a baixar sustentadamente de há vários anos a esta parte. As leis sobre as taxas de alcoolémia permitidas na condução foram a primeira nota de que os hábitos de consumo iam mudar radicalmente.
A lei que impede o consumo de tabaco em locais fechados - com excepções caras e de difícil aceitação por quem legaliza espaços comerciais - foi outra machadada no sector dos vinhos. Que, por outro lado, nunca chegou a entrar no chamado negócio da noite: aí, o consumo vai para a cerveja ou para as bebidas brancas, de importação. E o problema da dificuldade de penetração no negócio da noite traz outro a jusante: os jovens fidelizam-se à cerveja e ao whisky (em detrimento, respectivamente, do vinho e do Vinho do Porto), colocando em perigo o consumo interno.
A escapatória, para o sector, foi a aposta nos mercados externos. Mas, como afirmava Paul Symington, no exterior também é possível observarem-se os primeiros sinais de abrandamento do consumo.
Entretanto, vários responsáveis queixam-se de abandono: como o vinho lá vai vendendo - e levando o nome do país até mercados externos - o Ministério da Agricultura não tem o sector no primeiro plano das preocupações. Talvez seja, dizem, a hora de mudar. Antes que depois já não haja nada para mudar.
|