Estava escrito nas estrelas que ia ganhar a vida a transformar as uvas em vinho. Nasceu em Lisboa, cresceu entre Torres Vedras, Évora e Beja. Agora vive em Vila Real e não raros são os dias em que faz mais de mil quilómetros ao volante da sua carrinha 'Passat'. Uma breve história da vida da enóloga da Roquevale.
Apesar de ser uma força de expressão, pode muito bem escrever-se que Joana Roque do Vale nasceu com o vinho a correr-lhe no sangue. Os bisavôs do lado materno já faziam vinho, que comercializavam com as marcas Casal do Castelão e Quinta Manjapão. Ela lembra-se de o avô, com 86 anos, andar com o carro carregado de caixas de vinho para venda. Tinha dez anos quando os pais transformaram a quinta alentejana da família (a Herdade da Madeira, no Redondo) na base de operações da Roquevale, famosa pelos vinhos Tinto da Talha e Terras de Xisto.
Joana nasceu em Lisboa, no último ano antes do 25 de Abril, mas cresceu e fez-se mulher entre Évora, Torres Vedras e Beja. A sua actual geografia de vida não é mais simples pois, apesar da sua primeira residência ser em Vila Real, mantém quartos com a cama feita (e escova de dentes na casa de banho) em Lisboa, Torres Vedras e Évora.
Este nomadismo, que só pode atrapalhar os técnicos do INE encarregados do Censos, obriga-a a passar longas horas ao volante da sua Passat. "Há dias em que chego a fazer mil quilómetros", diz.
Para ela, férias grandes foram sempre sinónimo da azáfama das vindimas, pelo que pode dizer-se que estava escrito nas estrelas que iria ganhar a vida a transformar as uvas em vinho. Mas ainda resistiu. "Para ter outras saídas", quando acabou o secundário, em vez de ir para lá do acidentado Marão fazer Enologia na UTAD (Vila Real), preferiu quedar-se pela planície alentejana e cursar Tecnologia das Indústrias Agro-Alimentares, onde estudou vinhos mas também azeite, conservas, etc.
Mas o vinho não a largou. No final do curso, o estágio curricular levou-a à Herdade do Esporão, "era uma das adegas tecnologicamente mais evoluídas", onde trabalhou na vindima de 1995, aprendendo com enólogos famosos como David Baverstock, Luís Duarte e Richard Mayson. E rendeu-se ao seu destino.
Aperfeiçoou em Bordéus os seus conhecimentos antes de começar a trabalhar com o pai, na Roquevale, a ganhar 60 contos por mês. "Fazia de tudo. Andava com as mangueiras às costas, subia às cubas, carregava as sacas de ácido tartárico...", conta.
Na altura eram menos de meia dúzia e faziam 200 mil litros de vinho por ano. Hoje, são 34 empregados permanentes e produzem anualmente três milhões de litros. Esta viagem foi pilotada por Joana - que entretanto casou, completou em Beja a licenciatura em Engenharia Alimentar, teve o seu primeiro filho (o Artur, que andava com ela para todo o lado, adega incluída) - acumulando as funções de enóloga com as de directora comercial para os mercados externos.
A Roquevale inovou ao fazer o bag-in-box com a marca Alecrim ("Poupam-se seis garrafas, seis rolhas e pode estar dois a três meses aberto e não se estraga"), alargou o portfólio de marcas e cresceu na exportação (onde escoa 23% da produção, tendo o Brasil e Macau como principais mercados).
Entretanto, os pais reformaram-se, foram viver para a Herdade da Capela, em Pias, mas não conseguiam estar quietos e logo fizeram um vinho, o Monte da Capela, com uma mãozinha da Joana.
"Sempre gostei mais de tintos do que de brancos", confessa Joana, adiantando que o seu próximo desafio é fazer um vinho com o marido (o enólogo transmontano Luís Soares Duarte)."Uma coisa pequena, para dar e vender aos amigos, não é para fazer negócio." Joana acrescenta não estar preocupada com a conjuntura económica: "Nas alturas de crise bebe-se mais vinho." |