As nuvens da crise não mancham o céu do Douro, que brilha tão azul que até parece acabado de lavar. Em 2010, pela primeira vez neste século desgraçado, as vendas do Porto aumentaram. E o Douro continua a deixar os críticos de boca aberta, como é demonstrado pela dúzia de vinhos da região que constam da lista dos cem melhores do ano divulgada pela Wine Spectator.
"O Douro tem melhores condições que Bordéus", declara, definitivo, Luciano Vilhena Pereira, 64 anos, que há pouco mais de dois anos preside ao Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP), o que equivale a dizer que é o guardião da mais antiga região vinícola demarcada e regulamentada do mundo e o responsável pela promoção dos vinhos nos mercados internacionais, onde luta com armas desiguais. "Eu tenho 2,5 milhões de euros para a promoção. Bordéus tem 40", refere.
Luciano sabe do que fala. Nascido em Chaves, mais velho de quatro filhos de uma família de agricultores, que tinham vinho, batatas, cereais, cortiça e algum gado, cresceu no meio das vinhas. E, desde 1999, produz vinho do Douro na quinta da mulher, em Freixo de Espada à Cinta.
"Temos os custos de produção mais caros do mundo. Há dificuldade em encontrar mão-de-obra, e as características do vale do Douro não favorecem a mecanização. Em regiões como o Alentejo, Napa Valley ou a Argentina, as grandes extensões de vinha permitem-lhes podar com tractor, adubar com tractor, vindimar com tractor", descreve Luciano, um advogado que iniciou a sua intervenção política ainda estudante de Coimbra, antes do 25 de Abril, e depois foi vice-governador do Porto, presidiu ao Ateneu Comercial do Porto durante uma dúzia de anos e liderou a Comissão Interprofissional da Região do Douro.
O reverso da medalha dos altíssimos custos de produção são um clima e solos únicos no mundo, e é disso que o Douro está a tirar partido. "Temos vinhos fabulosos, com personalidade própria, diferentes de todos os outros. A nossa aposta é na qualidade, para podermos pedir preço, pois o Douro faz parte do lote restrito de regiões onde se fazem os melhores vinhos do mundo, ao lado de Bordéus, Borgonha, Rioja e de algumas de Itália, como a Toscana, que tem o Brunello di Montalcino", garante Luciano, que escolheu almoçarmos na Grade, um pequeno restaurante da Ribeira, que dista a não mais de 500 metros (a subir no regresso...) da sede do IVDP.
À nossa chegada, a mesa já estava posta com uma data de petiscos, sardinhas de escabeche, bolinhos de bacalhau, polvo em molho verde, bola de carne, presunto, que por si só chegavam e sobravam. Apesar disso, cometemos a imprudência de encomendar um polvo à lagareiro, que estava divino, o que só agravou o pecado de termos deixado ficar quase metade da travessa.
Como Luciano é freguês da Grade, o Sr. Ferreira - que em parceria com a sua mulher (D. Helena) gere o restaurante - sugeriu que acompanhássemos a refeição com um Vale de Rotais de 2006, o vinho que o presidente do IVDP produz em Freixo de Espada à Cinta.
Sugestão acertadíssima, que permitiu apreciar ainda melhor as estatísticas sobre o excelente desempenho do sector no ano passado, com as vendas dos Douro DOC a situarem-se na casa dos 40 milhões de euros e as de Porto nos 370 milhões de euros. "64% do total dos vinhos que exportamos são do Porto", precisa Luciano, que desfilou com orgulho durante o almoço as estatísticas, que, vistas de qualquer lado, atestam o bom momento do vinho do Porto: subida do preço médio (3%), das exportações (5,2%), do mercado interno (5%) e das categorias especiais (18%).
Luciano é um apreciador de tawnies velhos (de 20 anos para cima). No final do almoço, subimos até à sede do IVDP - um instituto financiado pelo sector, onde trabalham 170 pessoas, instaladas num palacete novecentista, do outro lado da rua do Palácio da Bolsa -, onde, refastelados em sofás de couro antigo, apreciámos um delicioso tawnie da garrafeira do instituto. "Como envelheceu no Douro, e não aqui nas caves de Gaia, apanhou mais calor, mais variação térmica. É mais forte. Menos lotado. Mais próximo da colheita", legendou o nosso convidado. |