Fim do prazo para os produtores directos prolongou-se até 2013
"Está "reles" vender vinho seco"
Jornal da Madeira | 03-04-2006

Uma das medidas específicas decretadas pela União Europeia no domínio agrícola a favor das regiões ultraperiféricas foi o prolongamento do prazo do fim da produção dos produtores directos até 2013. Desta forma, o chamado vinho seco poderá ser produzido e comercializado até essa data. Garantido é que hoje há menos procura por este tipo de vinho, sendo cada vez mais difícil vendê-lo.

O prolongamento do prazo do fim da produção e comercialização dos produtores híbridos directos (americano, jacqué, harmon...) até 2013 é uma medida recebida com agrado pelos agricultores que ainda comercializam o chamado vinho seco, apesar de ser cada vez mais difícil vendê-lo, pois há menos pessoas a consumir. Uma opinião corroborada pelos responsáveis de associações de agricultores que dizem que hoje há menos procura pelo vinho seco, mas é ainda muito consumido a nível familiar, enquanto os jovens optam por outro tipo de bebidas. 

No Porto da Cruz, uma das localidades onde imperam os produtores directos, este prolongamento para a comercialização do chamado vinho seco devia ser ainda mais longo. Marcelino Spínola considera que é «uma boa medida», mas «gostava que o prazo fosse de pelo menos mais 10 anos».
Marcelino Spínola é funcionário público e entretém-se a cuidar dos seus terrenos aos fins-de-semana produzindo vinho para consumo próprio, mas também para vender por grosso. Na última vindima conseguiu encher 15 pipas, o que lhe rendeu cerca de 10.000 litros de vinho, estando quase todo ele a ser vendido para um bar em Machico. Diz que está a vender a um preço baixo, mas o que interessa é ter um cliente garantido para escoar o vinho de uma vindima excepcional em quantidade. Não espera que este ano consiga uma produção igual, pois os coelhos estão a comer os rebentos da vinha que, no caso do Porto da Cruz, fica junto ao solo.

"Está a ficar “reles” vender vinho seco"

Mas o negócio do vinho seco já foi melhor do que é agora. «Está a ficar “reles” vender vinho seco», afirma, ao mesmo tempo que nos oferece um copo de vinho americano acabado de tirar de uma pequena pipa na sua adega no Serrado. E as razões para se vender menos vinho seco até são simples: «Há menos pessoas a beber e a juventude quer é café, cerveja e “meias bolas”». Também não tem dúvidas de que as «operações “stop” e o soprar o balão vieram complicar muito a venda de vinho», além de que, antes, nos arraiais, também havia mais procura de vinho.

Não tem dúvidas de que o futuro deste tipo de vinho vai ser difícil. Como se dedica à produção e comercialização do chamado vinho seco utilizando os produtores directos — americano, harmon e algum jacqué —, questiona-se sobre o que fazer dos terrenos quando for proibido comercializá-lo. Quanto a uma possível reconversão das suas vinhas, é peremptório a dizer que as castas novas «não aprovam» no Porto da Cruz, local onde são reis os produtores directos. Dá o exemplo de um vizinho que, num terreno com cerca de 2.000 m2, plantou, há cerca de cinco anos, novas castas, mas hoje apenas «resta uma parreira».

Uma coisa é certa, há cada vez mais pessoas a abandonar as terras e no caso das vinhas nem podam. A confirmar esta tese, um vizinho fazia ainda a poda da vinha, uma operação que já devia ter sido realizada há cerca de um mês e executada por diversas mulheres. A justificação para o abandono das terras é que «não dá se for para pagar tudo. A mão-de-obra é cara e não há. Querem 50 euros por dia mais comer e beber».

Sentado à sombra da esplanada de um bar, um octogenário faz o “retrato” da produção de vinho no Porto da Cruz. Diz que antes também fazia vinho, mas já desistiu de tudo e deixou os terrenos abandonados, porque já não dava e os filhos «não querem saber da fazenda, pois têm o seu trabalho».

Fim do vinho seco só com uma mudança de geração

Os responsáveis por diversas associações de agricultores não têm dúvidas de que cada vez mais pessoas deixam de beber vinho seco, facto que se reflecte na sua comercialização e no abandono dos terrenos com produtores directos. Duarte Caldeira é de opinião que «há cada vez menos procura do produtor directo e verifica-se então um certo abandono das terras», constatando que hoje a grande maioria das tascas do Funchal já não tem vinho seco.

O responsável pela Sociedade Produtora de Vinho do Seixal acredita que o prolongamento do prazo se deveu, principalmente, à situação dos Açores, onde engarrafam o chamado “vinho de cheiro”, que é equivalente ao vinho americano no Porto da Cruz e que tem um grande peso na agricultura açoriana, enquanto na Madeira há cada vez menos procura do produto directo.
Considera que o produtor directo continua a ter um certo peso na economia do agricultor, nomeadamente para consumo próprio, por isso vai continuar a existir, principalmente enquanto «não houver uma mudança de gerações». Garantido é que o vinho seco vai-se extinguindo naturalmente, porque hoje os jovens «optam pela cerveja, embora se esteja a notar também na juventude uma certa presunção em saber apreciar o bom vinho». 

O presidente da Associação de Agricultores da Madeira refere que o prolongamento do prazo do fim da produção dos produtores directos vem dar mais possibilidades aos agricultores que têm aquelas vinhas em reconverter para castas europeias. «O vinho do produtor directo chegará ao dia em que não poderá ser comercializado, apenas só para consumo próprio. Se não reconverterem, ficarão preteridos de vendê-lo», frisa João Ferreira, referindo que o produtor directo vai caindo lentamente e vai acabar mesmo por deixar de ser comercializado. 

O presidente da jovem Associação de Produtores de Vinho da Madeira considera que os agricultores que estão renitentes em fazer a reconversão das suas vinhas é por uma «questão de tradição», além de que muitos são pessoas idosas e têm alguma dificuldade em se adaptar às novas exigências. 

Orlando Pereira é de opinião que a «lei do mercado vai ditar as suas regras e vai obrigá-los a fazer a reconversão», porque a «produção de vinho não recomendado vai ter um fim, além de que até ao fim do prazo agora definido a produção de vinho seco vai diminuindo, representado hoje apenas uma pequena fatia da produção de vinho regional, sendo muito utilizado para consumo familiar».
 
 
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