Mesmo tendo sido atropelada em termos de prestígio para Douro e Alentejo nas duas últimas décadas, a região vinícola do Dão, situada no centro-norte de Portugal, nunca perdeu o encanto.
Tirando o mítico Barca Velha, por muito tempo de lá saiu boa parte dos melhores, mais elegantes e longevos vinhos portugueses. Entretanto, afora uma certa mudança na preferência do consumidor, que começou a optar por vinhos mais intensos, com baixa acidez e prontos para consumo - os "vinhos modernos" -, o declínio do Dão parece estar mesmo relacionado a questões internas.
De fato, nos anos 50, com o apoio do governo salazarista, as adegas cooperativas passaram a mandar na região e com elas a idéia de produzir quantidade (em detrimento da qualidade). Há quem afirme, inclusive, que nessa fase produtores independentes não podiam vinificar seus próprios vinhos, sendo obrigados a entregar suas uvas às cooperativas. Pelo sim pelo não, essa situação começou a mudar na segunda metade da década de 80, e a partir de 1990 surgiram alguns projetos pioneiros, em especial, a Quinta dos Carvalhais, do grupo Sogrape, e a Quinta da Pellada, do perfeccionista Álvaro Castro, para tirar o Dão do marasmo.
A região tem tudo para se reerguer e voltar a ser referência de elegância e longevidade entre os vinhos portugueses. Não que Douro e Alentejo não sejam capazes de igualar tais características, porém o Dão tem condições particularmente mais favoráveis para alcançá-las. É uma área montanhosa cercada a oeste pelas serras do Buçaco e do Caramulo, que a protegem da influência do Atlântico, e a norte e leste pelas serras da Nave e da Estrela (onde é produzido o fantástico queijo Serra da Estrela), que servem como barreira aos ventos vindos do continente.
Associado a uma altitude relativamente alta, entre 400 e 500 metros, esses fatores proporcionam grande amplitude térmica, e assim as uvas atingem ótimos índices de maturação com acidez adequada.
Para demonstrar esses atributos dos vinhos do Dão, nada como uma comparação com vinhos de outras regiões, sobretudo do Douro, já que ambas têm castas em comum, notadamente Tinta Roriz e Touriga Nacional. A oportunidade surgiu até de forma inesperada na última Expovinis Portugal, feira de vinhos portugueses realizada na cidade do Porto e aqui comentada recentemente.
Após provar uma série de vinhos de primeira linha, com predominância ou totalidade de Touriga Nacional, elaborados pelo ótimo produtor Domingos Alves de Sousa, veio-me o Quinta da Vegia Reserva 2003, um tinto do Dão com 70% daquela variedade e 30% de Tinta Roriz. Não há pior ou melhor, mas características bem distintas. Elas se manifestam no elegante e preciso aroma de violeta, típico da Touriga Nacional cultivada no Dão, enquanto no Douro, e especialmente no varietal Quinta do Vale da Raposa degustado, as notas são quentes e mais frutadas.
Embora tenha reconhecido potencial - os vinhos já o demonstraram - o Dão ainda parece caminhar timidamente para reconquistar o espaço perdido. Vários projetos novos têm surgido, mas de pequeno porte em sua grande maioria. Nada contra já que o que se nota é o objetivo comum de produzir vinhos de padrão superior. Entre os grandes já estabelecidos há a histórica Casa de Santar, que há uns 15 anos vem procurando desenvolver um trabalho de qualidade. Recentemente ela, que se mantinha nas mãos da mesma família há 13 gerações, associou-se (ou passou o controle) para o imponente grupo Dão Sul, que produz o Quinta de Cabriz.
Outras vinícolas com certo porte são a Quinta dos Roques e a Quinta das Maias, que pertencem aos mesmo donos. É interessante notar que elas se situam em pontos diferentes da região e têm suas especialidades: a primeira numa zona mais central do Dão, perto de Mangualde, prima pelo branco elaborado com Encruzado e pelo tinto de Touriga Nacional, enquanto a segunda, localizada já na encosta da Serra da Estrela, tem maturação mais tardia e privilegia a Jaen, outra casta típica local.
A Quinta do Vale das Escadinhas e a Quinta do Perdigão são bons exemplos de vinícolas relativamente novas, de pequeno porte que mal começaram já tiveram sucesso. A primeira, com 13 hectares, dos quais apenas 9 ha estão em produção, vendia suas uvas à Adega Cooperativa até resolver em 1999 levar vida independente. Sábia decisão. No ano seguinte seu Quinta da Falorca foi um dos dois vinhos de toda a região - o outro foi o Quinta do Corujão - indicado pela Comissão Vitivinícola Regional para alcançar a designação Dão Nobre, uma classificação instituída em 1990 e jamais concedida.
A bem da verdade não foi obra do acaso. A família está no ramo há muito tempo, tendo sido dona da Quinta dos Carvalhais, vendida à Sogrape em 1989. Nas novas instalações, recém-terminadas, produzem uma gama consistente, composta de 80% de tintos, dos quais 65% é Touriga Nacional, a variedade mais identificada com o Dão.
A mesma jovem equipe de enólogos que assessora a Quinta da Falorca, a Vines e Wines, dá consultoria à premiada Quinta do Perdigão. Ali, igualmente, a fama não veio por acaso. Seu proprietário e mentor, o arquiteto José Joaquim Perdigão, é detalhista e persegue a excelência desde que resolveu se dedicar ao vinho e plantou suas vinhas em 1997. Dos atuais 7 hectares, mais um pedaço experimental em pé franco, sem enxertia, saem vinhos fadados ao sucesso. Entre os prêmios já ganhos está um cobiçado troféu na Decanter World Wine Awards, concurso organizado pela renomada revista inglesa.
Preparando-se para seguir essa mesma trilha está a Casa de Darei, um empreendimento requintado, de apenas 5 hectares de vinhas implantado numa imensa área de 150 hectares às margens do rio Dão. A cantina de vinificação utiliza velhos lagares de granito e antigas cubas de concreto, tudo reconstituído com extremo capricho. Fazem parte da casa principal, datada do século XVIII. Sua história recente reflete bem o que se passou com o Dão.
A propriedade estava em completo estado de degradação depois de cerca de 20 anos de abandono, quando foi comprada em 1997 por um empresário do ramo imobiliário da cidade do Porto. Ainda que terras não faltem, a idéia é ficar nos 5 hectares de vinhedos e produzir um vinho de primeira. A primeira parcela, plantada em 1997, está em produção e a segunda, de 2003, está só juntando forças e sendo observada por uma equipe técnica bem atenta. Por enquanto suas uvas são podadas tão logo frutificam, para que a planta não desperdice energia e se fortaleça internamente. A linha de vinhos, formada hoje por um branco e três tintos mostra que esse esmero todo não é em vão e que a meta será alcançada.
O mesmo vale para a região do Dão como um todo. Tem, como é natural e acontece em qualquer outro lugar, vinhos de padrão bem abaixo do que se esperaria. Ainda assim, perde quem não arriscar. Se não bobear as chances de acertar são grandes.
Importadores:
Quinta dos Carvalhais: Zahil; Quinta da Pellada e Quinta do Perdigão: Mistral; Casa de Santar: Casa Flora; Quinta de Cabriz:Expand; Quinta dos Roques e Quinta das Maias: Decanter; Quinta do Vale das Escadinhas: Adega Alentejana; Quinta da Vegia e Casa de Darei: sem importador |