Cave alemã do século XVII abriga tesouro vinícola português
Lusa | 29-03-2009

Na cidade de Dusseldörf, Alemanha, onde é conhecida a paixão pela cerveja, uma cave do século XVII junto à margem do rio Reno abriga um "tesouro" para outros paladares: nada menos que 18 mil garrafas de vinho português.

O seu proprietário é Carlos Quintas, um economista português radicado em Dusseldörf, que assinalou este fim-de-semana o décimo aniversário do início da sua colecção com provas de vinhos que tiveram uma convidada muito especial, a especialista britânica Jancis Robinson, uma das "autoridades" mundiais na matéria.

A prova esteve longe de ser uma novidade para a colunista do Financial Times, que em 1999 publicou o livro "Jancis Robinson prova os melhores vinhos portugueses", a obra que inspirou Carlos Quintas para iniciar a sua colecção nesse mesmo ano.

"Comecei a coleccionar um bocadinho por força do acaso, porque encontrei uma cave muito bonita em Dusseldörf, de facto extraordinária, com condições de armazenamento espectaculares, e hoje, penso que, poderei dizer, uma das caves mais significativas de vinhos portugueses no mundo", disse Carlos Quintas à Agência Lusa.

Esta também não foi a primeira vez que Jancis Robinson aceitou um convite de Carlos Quintas para experimentar vinhos portugueses, tendo já realizado uma prova em 2007, igualmente em Dusseldörf.

Sempre com o seu computador portátil ligado, para ir apontando as suas apreciações, a "mestre de vinho" - título que ostenta já desde 1984 - não tem uma tarefa fácil: no primeiro dia de prova experimenta 26 "magnums" (tinto) e no dia seguinte, na cave de 1641, nada menos que 90 vinhos de 2006 e 2007, numa sessão que tem início ainda antes do almoço.

As reacções de Jancis Robinson são acompanhadas com indisfarçável curiosidade por Carlos Quintas. Mas não só. "Os produtores também estão ansiosos em Portugal pelas 'notas'" da "mestre" inglesa, conta com um sorriso o coleccionador.

Dez anos depois de ter publicado o seu livro sobre vinhos portugueses - "há quanto tempo...", comenta a autora, parecendo tentar recordar-se -, Jancis Robinson mostra-se impressionada com a evolução dos vinhos, pelo que constata nas garrafas que Carlos Quintas lhe vai apresentando e servindo.

"Acho que a qualidade do vinho português aumentou enormemente em 10 anos. Conseguiu certamente acompanhar o aumento da qualidade do vinho em todo o lado", observa à Lusa, acrescentando que continua válida uma observação que fez há alguns anos, quando escreveu que os vinhos portugueses podem realmente oferecer estilos e sabores distintivos que não podem ser encontrados em mais nenhum lado.

O segredo, diz, é os produtores dos vinhos de qualidade não estarem a ser "influenciados por modas internacionais" e Portugal manter no terreno uma grande variedade de uvas indígenas.

Essa é também a ideia de Carlos Quintas, segundo o qual "o vinho português pode de facto vingar" no mercado internacional, mas não tanto enquanto "uma afirmação conjunta", mas mais na base da "personalização dos produtores".

Comentando que a sua colecção é uma iniciativa "independente, arrojada e arriscada", Carlos Quintas defende que Portugal até pode ter "muito a ganhar", e uma segunda visita de Jancis Robinson pode consolidar a imagem de que "os vinhos portugueses têm potencial de envelhecimento, de guarda, e de investimento", sobretudo esta última. "É a pergunta que nós ainda hoje nunca resolvemos em Portugal", diz.

Numa colecção que actualmente conta com 18.000 garrafas - 12.000 de segmento de topo de gama e cerca de 6.000 de um segmento "também muito bom", diz - Carlos Quintas não hesita quando instado a eleger "a" garrafa de vinho mais valiosa.

"É uma garrafa que me veio parar às mãos de um senhor muito rico, milionário, famoso, que herdou os vinhos sem saber o valor deles. E ele ofereceu-me uma garrafa de (19)56 que lhe tinha sido oferecida pelo doutor (António Oliveira) Salazar", julgando tratar-se de um vinho já deteriorado.

Para Carlos Quintas, esse é vinho, da Real Companhia Vinícola do Norte de Portugal, é o mais emblemático" da sua colecção, já que tem "duas lições" a oferecer: primeiro, por se tratar de um vinho de oferta e ser "extraordinário em Salazar oferecer vinhos"; segundo, por mostrar que quando os vinhos "mudam de mão", frequentemente quem os recebe "perde a noção do que tem e normalmente dá ao desbarato".

"É uma lição que a gente tem que tirar para a vida: há vinhos de valor, a gente tem que saber conhecer a história desses vinhos", diz, antes de regressar para perto de Jancis Robinson.
 
 
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