O tinto Abandonado 2005 deve ser provado apenas a partir de 2015, dez anos depois da colheita, revela Tiago Alves de Sousa, filho do produtor daquele que foi considerado o melhor vinho português pelo “supercrítico” norte-americano Robert Parker.
“É efetivamente um bocadinho prematuro bebê-lo, embora ele, enquanto jovem, mostre toda a força da sua juventude. Mas, com o andar dos anos vai ganhar maturidade”, atingindo o seu pleno 20 anos depois da colheita, revela Tiago, filho do produtor e engarrafador Domingos Alves de Sousa, de cujas vinhas saiu o escolhido como o melhor vinho de Portugal, entre mais de duas centenas de candidatos.
Tiago, de 29 anos e engenheiro agrícola pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, trabalha com o pai e é um dos arquitetos deste vinho. “É fruto de um trabalho de equipe e foi acompanhado desde o início também por mim”, explica
Robert Parker atribuiu a este Abandonado 94 pontos (em 100), uma classificação excepcional. Os lugares seguintes do pódio foram para o Dona Maria Alicante Bouschet jb (2004), 93+ e Quinta do Mouro (Miguel Louro) tinto gold label (2005), 93-95.
“É como ganhar a Liga dos Campeões”, admite Tiago, que, num discurso típico dos vencedores, não poupa elogios aos rivais: “os outros vinhos são igualmente bons e o mais interessante ainda é serem todos diferentes”.
O mundo vinícola conhece bem Parker. Ele é o autor e editor da publicação bimestral “The Wine Advocate”, que o transformou no crítico de vinhos mais influente do mundo.
Foi ele quem criou o sistema de classificação dos 100 pontos. Um crítico escreveu que “com uma nota acima de 90 (em 100 pontos possíveis), o vinho não tem preço; abaixo de 90 não tem compradores”.
“The Wine Advocate” não tem publicidade, mas diz-se que as suas notas podem de provocar grandes danos a alguns produtores ou, pelo contrário, elevar o preço dos seus vinhos até níveis astronômicos.
Segundo Domingos Alves de Sousa, uma garrafa de Abandonado 2005 custa “uns 60 euros”, um valor que não deixa as pessoas “defraudadas com o preço”.
O produtor e engarrafador duriense, de 59 anos, afirma que esse preço não o choca “olhando para a concorrência nacional, mas também para os estrangeiros, em especial os franceses”.
o entanto, no será fácil encontrar um Abandonado em alguma prateleira à espera de ser vendido já que foram lançadas no mercado apenas “três mil e poucas garrafas”.
O vinho e o vinhedo
Tiago define o Abandonado 2005 como “um vinho bastante complexo, isto é, nada linear, porque não joga apenas numa dimensão”. Tem “fruta, especiarias, um toque um bocadinho austero e aromas que vão aparecendo e desaparecendo à medida que se vai apreciando o vinho”.
Tem também um “toque quase de eucalipto”, árvore de que há alguns exemplares plantados na zona onde se encontra a Quinta da Gaivosa.
Domingos junta-lhe outras características: “Tem uma personalidade muito própria, não passa despercebido, é cem por cento português, foi feito com o menor número de intervenções possíveis e estagiou em carvalho nacional”.
O perfil do Douro está lá, como não podia deixar de ser num vinho feito com uvas colhidas numa propriedade, a Quinta da Gaivosa, situada entre a Régua e Vila Real, no distrito de Santa Marta de Penaguião.
O melhor vinho português, segundo Robert Parker, nasceu numa parcela constituída por vinhas velhas, “com cerca de 80 anos”, afirma Domingos Alves de Sousa. Trata-se de um pequeno vinhedo, conhecido como o Abandonado e que se estende por uma colina “com uma exposição muito boa, a poente”.
“É a vinha mais feia da Quinta da Gaivosa”, afirma Domingos Alves de Sousa: as cepas são muito velhas e a produção é muito baixa, mas tudo isso favorece “uma grande concentração”.
Avistam-se dali os pontos mais altos da Serra do Marão, outros vinhedos e um vale onde o cineasta Manoel Oliveira possui uma quinta. Estas vinhas velhas têm “dezenas de castas, como é tradicional no Douro”, e não apenas as que são mais divulgadas, como a famosa Touriga Nacional.
A vinha do Abandonado “estava em vias de ser reestruturada”. Porém, Domingos Alves de Sousa e a sua equipe resolveram fazer vinificações e obtiveram “resultados excelentes”.
Dali já saíam uvas para o Quinta da Gaivosa, o vinho mais conhecido do produtor, que, em meados de 1992, lançou no mercado aquele que seria o seu primeiro vinho, um branco do ano anterior.
O Abandonado estreou em 2004. Assim como o de 2005, é feito só com uvas da vinha homônima, o que aconteceu pela primeira vez nesta casa produtora.
Influência
Domingos explica que o filho Tiago “teve influência nessa decisão”, fazendo parte de uma equipe que conta também com o enólogo Anselmo Mendes, bem conhecido por fazer vinhos Alvarinhos com grande reputação entre os consumidores e a crítica.
A conjugação entre maestria técnica e excelente matéria-prima concebeu um grande vinho, que não se vai repetir pelo menos com as vindimas de 2006, já que a aposta da casa foi “melhorar os vinhos de gama média”. Quanto a 2007, “é um ano de bastante qualidade, mas ainda é um bocadinho cedo” para dizer se haverá Abandonado ou Quinta da Gaivosa.
Alves de Sousa já obteve algumas distinções. Foi considerado “produtor do ano em Portugal” em 1999 e, em 2006 viu o primeiro Abandonado ficar em “primeiro lugar numa prova dos melhores vinhos do Douro” da Revista dos Vinhos.
“O de 2005 é um dos melhores vinhos que alguma vez provei e é um dos meus melhores vinhos”, resume Domingos Alves de Sousa.
Mas para o filho Tiago, “há vários melhores vinhos e o Abandonado está dentro desse grupo restrito”. Até porque, no seu entender, “existem excelentes vinhos para diferentes momentos”, rejeitando que exista um que seja consensual.
“Pessoalmente, não acredito no conceito de vinho perfeito”, sustentou, seguindo, sem o saber, uma das regras de ouro de Robert Parker: “Um vinho bom é aquele de que uma pessoa gosta”. |