A moda do bom vinho
Isabel Lacerda | VISÃO nº 683 | 06-04-2006

Beber pouco mas beber bem. O lema atrai cada vez mais pessoas, determinadas a cultivar o gosto pelo melhor e, muitas vezes, mais caro. O negócio corre bem a quem vende e sabe bem aos que compram.

Entre os cerca de 30 homens e duas mulheres que ali se encontram de copo na mão, Hernâni Verdelho é o mais esfuziante. À pergunta Qual é o seu vinho preferido? responde com um erguer de braço e olhar satisfeito para o copo onde o líquido púrpura rodopia languidamente. É seu este vinho que leva à boca no baixar da mão. A quarta edição do Dona Berta, colheita de 2004, está agora a ser apresentada. De produção modesta (15 mil garrafas de tinto e 10 mil de branco), este «vinho elegante», como classifica o produtor, tem esgotado onde se vende – «só em garrafeiras e bons restaurantes», sublinha o empresário.

A convite de Hernâni Verdelho, a garrafeira VenhàVinha, em Lisboa, acolhe amigos e outros apreciadores de vinho. Hoje, prova-se o Dona Berta, noutros dias os copos enchem-se de outras marcas. A iniciativa pode partir de produtores, empresas ou mesmo da loja. E tem clientes assíduos: «Vou a todas as provas que posso. Na altura da apresentação dos vinhos, sou capaz de ir a duas ou três seguidas», conta José Miranda Ferreira, 57 anos, dono de uma garrafeira particular com cerca de 300 garrafas, «todas para beber», sublinha.

Primeiro, o vinho
A muitos apreciadores não faz sentido deixar um vinho por abrir, correndo o risco de se adulterar. Por mais caros que sejam, e há os que ultrapassam os 200 euros, são para desfrutar. Cada garrafa em sua ocasião. «Há vinhos que me agradam só para ver a paisagem, outros são mais próprios para acompanhar a refeição. A escolha depende sempre do momento... e muito da companhia!», frisa o enólogo Tomás Vieira da Cruz, 36 anos.

Quando a bebida é tão ou mais importante do que o resto, há quem a escolha antes e só depois a refeição. E há garrafas que protagonizam verdadeiros episódios. José Miranda Ferreira conta um: «Uma vez intermediei uma troca de Barca Velha 54 entre uma pessoa que não lhe dava especial apreço e um coleccionador disposto a pagar com três Barcas Velhas mais recentes. A minha comissão seria uma dessas três garrafas, para bebermos no almoço que selou o negócio, em minha casa. Lamentavelmente a comissão não foi paga e o Barca Velha que se bebeu saiu da minha garrafeira.»

O Barca Velha é um dos mais conceituados vinhos portugueses. É feito no Douro, uma das duas regiões de maior êxito comercial. A outra é o Alentejo. Já em termos de quantidade quem ganha é o Ribatejo. No ano passado, a seca diminuiu um pouco a produção em relação a 2004, mas a qualidade manteve-se intacta: «Neste capítulo, a colheita foi muito boa.
A melhor dos últimos cinco anos», revela o presidente da ViniPortugal, uma associação para a promoção do vinho português. Vasco d'Avillez sublinha o sucesso do vinho nacional nas provas internacionais – Portugal tem ganho o dobro das medalhas de França, por exemplo. Há nove cooperativas vinícolas portuguesas, explica Vasco d'Avillez, e alguns privados, como a Sogrape, o Esporão e a Quinta do Vallado, entre outros, que são bem sucedidos no estrangeiro. Mas falta incentivo às exportações, diz o responsável da ViniPortugal: «Enquanto nós temos um orçamento de três milhões de euros para marketing e promoção, a Espanha tem 16 milhões de euros e a França 50 milhões.»

Por cá, o entusiasmo pelo bom vinho tem cada vez mais adeptos.
A confirmá-lo, a co-proprietária da garrafeira VenhàVinha assume com rara sinceridade que o negócio «corre lindamente». A maioria dos vinhos – todos portugueses – vende-se ali a mais de 15 euros a uma clientela sobretudo média/alta. Ainda lá entram mais homens, mas aparecem cada vez mais mulheres. E com diferenças: «As senhoras são muito mais honestas, dizem logo quando não percebem nada de vinhos. Os homens em geral fazem-se entendedores, não pedem conselhos e, depois, percebemos que eles não sabem assim tanto», afirma Teresa Silva, 39 anos. O crescente mercado feminino justifica uma prova especial, promovida pela loja, só para elas, no Dia Mundial da Mulher: «É muito divertida e completamente diferente. A cuspideira fica sempre seca e é a prova em que se gasta mais vinho. As mulheres são sinceras, não escondem que vêm para beber», diz a dona da VenhàVinha.

O à-vontade revela-se também nos cursos de vinhos, que proliferam como cachos: «De há dois anos para cá houve um boom», confirma o professor e enólogo Mário Louro, 60 anos. Estes minicursos de vários níveis, com diversos módulos, são sobretudo procurados por quem quer perceber por que gosta de uns vinhos e não aprecia outros. Mulheres e homens estão quase em igualdade numérica, mas elas, avalia o professor, ganham na sensibilidade e na espontaneidade: «Os homens, como acham que sabem mais, são mais reservados. As mulheres têm menos vergonha e abordam as coisas de forma mais aberta.»

O fim dos mitos
Patrícia Carvalho, 31 anos, é uma delas. No final do ano passado inscreveu-se em dois cursos de três fins de tarde cada. Até então só sabia que gostava de alguns tintos e que o branco lhe fazia mal. As aulas mudaram-lhe as ideias: «Percebi que até tenho um nariz mais apurado para o branco e aprendi a apreciá-lo melhor. Também deixei de pensar que os alentejanos é que são bons. Agora compro mais vinhos do Norte do País, sobretudo do Dão.»
E deixou de se guiar pelo preço quando vai ao supermercado: «Aprendi que nem todos os vinhos caros são bons e que há baratos óptimos.» Passou a olhar para o rótulo quando selecciona o que vai levar para casa. Procura referências às castas e, até, à comida com que o vinho liga melhor.

A ideia de que o tinto é para a carne e o branco para o peixe já passou à história. Tudo depende da confecção dos alimentos e das características do vinho. Para as decifrar, há que saber interpretar o que a visão, o olfacto e o paladar nos dizem sobre cada vinho. Foi para aprender as subtilezas dos aromas que Carlos Hipólito, 54 anos, se inscreveu num curso: «Fico extasiado quando vejo os profissionais a botar discurso sobre os aromas do vinho, porque a mim não me cheira a nada! Gostava de saber se também sou capaz de detectar o aroma do caju ou da castanha-da-índia..» E há cheiros bem mais estranhos a pairar sobre o vinho: «Relva cortada, chichi de gato, suor de cavalo, cão molhado quando sacode?», enuncia o professor Mário Louro. Cada um tem o seu significado. Nos cursos aprende-se qual.

Menos, melhor e mais caro
Os hábitos de consumo dos portugueses têm vindo a mudar nos últimos anos. Vasco d'Avillez refere que, quando começou a trabalhar no sector, há 37 anos, a média era de 85 litros por pessoa/ano e que, agora, é de 45 litros. Será, também, consequência de uma maior apreciação. «Depois de passarem pelos cursos, as pessoas normalmente passam a beber menos, a consumir melhor e a gastar mais dinheiro», explica Mário Louro.

Para apreciar uma boa garrafa de vinho há que acautelar duas coisas essenciais: a temperatura e o copo. «Há um copo quase universal que dá para quase todo o tipo de vinho que é o de bojo médio e abertura média», explica o escanção Manuel Moreira, 33 anos, que continua: «Ao contrário do que se diz, o vinho não deve ser bebido à temperatura ambiente. Acima dos 18 graus um tinto topo de gama, com muita estrutura, fica inferiorizado. E com os brancos é ao contrário: abaixo dos nove graus perdem sabor.»

Por isso, esqueça essa ideia de aquecer os tintos à lareira e arrefecer os brancos no congelador. Na maioria das vezes o que deve fazer é mandar a sua melhor garrafa de tinto para o frigorífico, até ele atingir os 16 graus: como as casas – e os copos – costumam estar a 22/24 graus, depois de servido deverá atingir os ideais 18º.

A partir daí é só tirar partido, saboreá-lo como a melhor das iguarias, porque, como diz o enólogo Mário Louro, «o vinho não é uma bebida. É uma comida».

*Com Rita Montez
 
 
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