Uma campanha para salvar o Miguel. Miguel, quem é o Miguel?
Público | 27-08-2008

Foi lançada pela corticeira portuguesa Amorim, a partir da Austrália. É uma campanha publicitária, com o actor Rob Schneider, que passa pelo YouTube e pelos Abraços Grátis,para salvar... as rolhas de cortiça nas garrafas de vinho.

Sabem quem é o Miguel? Não? E por que é que ele precisa de ser salvo? Também não? É essa a ideia. Rob Schneider, que se lançou numa campanha para salvar o Miguel, também não sabe exactamente.

O actor cómico norte-americano queria uma causa - afinal, por que é que há-de Bono querer acabar com a dívida dos países africanos, Angelina Jolie salvar os órfãos, Al Gore o planeta, e ele não ter uma causa? Agora tem uma - e para se perceber o que é tem que se ver o vídeo, disponível no YouTube em www.savemiguel.com.

Parece improvável, mas a saga de Rob Schneider pela paisagem portuguesa, das ruas do Bairro Alto às planícies alentejanas, é uma campanha da corticeira portuguesa Amorim para salvar... a cortiça. Ou, mais especificamente, para convencer as pessoas das vantagens de usarem rolhas de cortiça nas suas garrafas de vinho. "Eu sabia que Miguel era uma árvore", conta Rob Schneider, com um risinho atrapalhado quando, finalmente, encontra o objecto da sua busca.

"Esta campanha é uma espécie não de dois em um, mas de quatro ou cinco em um", diz Carlos de Jesus, director de comunicação e marketing da Amorim: promove a cortiça, promove Portugal, tem o apoio de um actor de Hollywood que não cobrou cachet, custa muito menos do que uma campanha tradicional porque usa como suportes as comunidades virtuais YouTube, Facebook e Flickr (o vídeo tem cinco minutos, enquanto na televisão não teria mais do que 30 segundos e custaria incomparavelmente mais), e chega a todo o mundo. Vai-se espalhando e, "ao contrário das tradicionais, que vão perdendo o impacto, vai sempre crescendo" enquanto as pessoas enviarem o vídeo umas para as outras.

Tudo partiu da ideia de "dar voz ao consumidor, que em todos os estudos de que dispomos manifesta uma preferência clara pelas rolhas de cortiça", explica Carlos de Jesus. O acesso ao site da campanha permite não só ver o vídeo em que Rob Schneider se esforça por salvar o Miguel como a informação sobre as vantagens da cortiça e oferece a possibilidade de assinar um compromisso sobre o uso de rolhas de cortiça.

Vinho e pastéis de nata

Desta forma - com a força das assinaturas dos consumidores -, a Amorim, que detém 30 por cento da transformação mundial de cortiça, pretende enviar um recado aos produtores de vinho, que, desde os anos 1990, começaram gradualmente a substituir as rolhas de cortiça nas suas garrafas por rolhas sintéticas de plástico ou, mais recentemente, por metal. "Os estudos de opinião são claros", frisa Carlos de Jesus: "as pessoas preferem ter cortiça a um derivado do petróleo entre a boca e o vinho que bebem".

O problema é que, para esses produtores - em zonas como a Califórnia, mas também a Austrália e a Nova Zelândia, onde a produção de vinho continua a aumentar - as rolhas sintéticas são mais baratas do que a cortiça importada de Portugal e evitam o risco de deixar o vinho com o chamado "sabor a rolha". Daí que esta campanha tenha sido lançada na Austrália (onde a cortiça tem vindo a perder mais quota de mercado), a partir de uma ideia da agência publicitária australiana TBWA.

Convidaram Rob Schneider e, segundo Carlos de Jesus, o actor gostou tanto que aceitou filmar de graça, ganhando apenas uma estadia de cinco dias em Portugal com prazeres que não têm preço, como beber vinho, comer pastéis de nata e ir à noite ao Bairro Alto. "Quando chegou a altura de partir, não queria ir", conta o director de marketing da Amorim. "Foi difícil convencê-lo a entrar no avião."

Depois, a campanha expandiu-se de formas inesperadas: a iniciativa Free Hugs, do australiano Juan Mann aderiu - e no cartaz que empunha, anunciando os abraços grátis, Mann escreveu Save Miguel; e as escuteiras Girl Guides australianas juntaram-se igualmente, o que faz todo o sentido já que, nos últimos 18 anos, têm arranjado fundos recolhendo rolhas de cortiça para reciclagem.

Um dos grandes argumentos usados pela Amorim é precisamente o de que a cortiça é um produto natural e ecológico, "com um papel fundamental na fixação de CO2, na preservação da biodiversidade e no combate à desertificação", porque as árvores não têm que ser abatidas para retirá-la. Mas, sublinha Carlos de Jesus, a estratégia da Amorim não assenta apenas num marketing surpreendente. "Por trás disto, há um grande investimento em investigação" para reduzir substancialmente o risco de "sabor a rolha" - até porque se países como a Austrália querem apostar no "factor premium", a cortiça é, assegura a corticeira portuguesa, o único material que lhes oferece garantias.

O factor ecológico

No entanto, segundo o Sydney Morning Herald, os produtores de vinho na Austrália estão preparados para reagir à campanha da Amorim, e a tendência para a substituição das rolhas de cortiça pelas sintéticas e pelas cápsulas de alumínio. É por isso que, explica àquele jornal Paul Bradbury, da TBWA, a campanha aposta mais na emoção do que em argumentos racionais e apela sobretudo ao espírito ecológico dos consumidores de vinho.

A partir de agora, se virem alguém com uma camisola a pedir para salvar o Miguel, ou se encontrarem Rob Schneider abraçado a um sobreiro no meio do Alentejo já sabem por que é. Ah, um segredo: ele pensa que Miguel é o segundo nome mais usado em Portugal, mas a verdade é que foi escolhido porque José parecia espanhol e João era muito difícil de pronunciar por estrangeiros. Decididamente, "Salvem Joáaau" não ia soar bem.
 
 
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