Editado pela Cotovia, já está à venda o Anuário de Vinhos 2007, de João Afonso, um dos nossos mais conceituados e experientes críticos, que o levou a provar (e "cuspir"), nos três meses de Verão, o equivalente a três vezes o consumo anual per capita de Portugal...A entrevista foi concedida, por sua sugestão, na Mort Subite, casa especializada em cervejas no Monumental, em Lisboa.
Com é que é possível um crítico de vinhos marcar uma entrevista numa cervejaria?
Venho aqui com assiduidade. E gosto muito de cerveja, até estou a pensar fazer lá em casa. Não é tão interessante quanto o vinho, mas também fermenta e eu gosto do que fermenta. Um dia destes vou tentar fazer queijos...
Porque vinho já faz, não é? Isso não é eticamente incompatível com a actividade de crítico?
Fiz vinho entre 1994 e 2005, o Rogenda, em Pinhel, numas terras da família do meu pai. Mas nunca escrevi nada sobre ele. Nada.
Mas houve quem escrevesse...
O João Paulo Martins escreveu uma primeira e única vez sobre o tinto de 1996 e eu achei que fez uma avaliação injusta. Liguei-lhe a perguntar como é que ele não via que aquele vinho era espectacular... Desliguei zangado com ele, mas no dia seguinte já éramos outra vez amigos...
Ou seja, além de perceber melhor as dificuldades de quem faz vinho, também ficou a compreender como os produtores reagem às críticas?
É verdade. Mas hoje vejo que são os produtores mais profissionais os que aceitam melhor. Percebem que faz parte do jogo. De vez em quando, há um amuo, que depois passa. Mas há muita vaidade no mundo do vinho. Gente que tem dinheiro, faz uma grande adega, contrata o "enólogo do ano" e depois, se não dizemos o que ele quer, não sabemos nada.
E a vaidade de quem escreve?
Há também. E muita jactância, do tipo "quem não gostar do que eu gosto não percebe nada". Eu, quando escrevo o guia, não quero dar juízos definitivos, quero apenas dar a minha opinião, que é a de alguém que prova muitos vinhos há muitos anos. Mas acho muito bem que haja outras opiniões. Até incentivo essa atitude quando encontro quem me lê.
Mas se as pessoas compram o guia não é para serem orientadas?
Uma coisa é terem orientações, encontrarem opiniões sobre vinhos que não conhecem, etc. Outra é repetirem cegamente o que o crítico acha, mesmo quando não coincide com o seu gosto e opinião. Mas o mundo está assim. Também há muita gente que só dá opiniões sobre política, teatro ou cinema depois de ler o que diz o DN ou outros jornais. Perdemos a capacidade de pensar e julgar por nós próprios.
No seu guia, cada vinho traz uma nota e depois um pequeno texto descritivo sobre o que provou...
Sim, mas o mais importante é a nota. É nisso que a maior parte das pessoas repara. O resto é mais para depois de se provar o vinho, para ver se a opinião coincide, ou para aqueles que são m ais fanáticos... A nota é objectiva, o texto é subjectivo.
Faz sempre provas cegas?
No início não fazia, mas de há quatro anos para cá passei a fazer. Mas não é totalmente cega. Divido os vinhos por tipo, região e em categorias standard, média e alta. Mas a prova cega é mais para me concentrar no vinho porque eu tenho um certo défice de concentração e se a garrafa estivesse destapada ia ser pior.
Nunca tem surpresas?
Hoje em dia não, mas há uns anos tive algumas. Acho que este guia, tal como eu como provador, tem vindo a crescer. Hoje, quando estou ainda na parte dos aromas já vou formando a nota na minha cabeça. Depois, mal provo, ela geralmente confirma-se. De vez em quando, faço uma segunda prova para esclarecer as coisas.
Como é que faz as provas?
Em minha casa, descalço, de calções e T-shirt , porque as provas são nos meses de Verão, com muito calor. E só provo de manhã.
Quanto vinhos prova por dia?
Depende do tipo de vinhos, mas, em média, uns 40. Mas há dias em que estou cansado e só provo uns quatro ou cinco.
Os vinhos estão mais baratos?
Estão e a tendência vai ser essa, porque parece que há milhões de garrafas encalhadas. E, na Europa, por cada seis garrafas que se produzem, só uma se vende... Mas os topo de gama continuam a aumentar de preço. Criou-se em Portugal um nicho de mercado de gente que, desde que o vinho tenha notas muito altas e seja muito falado, dá qualquer preço que se peça, independentemente de gostar ou não do vinho
Então a culpa é dos críticos?
A culpa é de quem segue cegamente a opinião dos críticos. Ou gosta de se exibir para os amigos...
O seu gosto pessoal não conta?
Às vezes nota-se que há mais entusiasmo nos textos. Mas nas notas faço avaliações técnicas e não a afirmação de gostos pesssoais. Aliás, eu, em minha casa, quase só bebo vinhos brancos |