Os procionídeos, um dos compostos fenólicos que o vinho contém, podem servir para modular os triglicéridos e o colesterol do corpo, e assim para reduzir os riscos de enfermidades cardiovasculares.
Uma tese defendida recentemente na Universitat Rovira i Virgili (URV), de Tarragona, conseguiu determinar o mecanismo molecular pelo qual os procionídeos, de origem vegetal e bastante presentes na dieta mediterrânea, interagem no fígado, e como controlam a expressão dos genes.
Segundo noticiou o jornal La Vanguradia, o estudo corrobora que, bebido com moderação e em carácter regular, o vinho tem efeitos benéficos sobre o metabolismo do colesterol.
"A análise das mudanças induzidas em genes nos permitem determinar como os procionídeos conseguem modular sua expressão, o que, em longo prazo, permitiria projectar dietas personalizadas a fim de ajudar a prevenir e, em certos casos, tratar, diferentes patologias relacionadas a desajustes metabólicos", explica Josep Maria del Bas, autor da tese, intitulada Modulation of Hepatic Lipoprotein Metabolism by Dietary Procyanidins modulação do metabolismo de lipoproteínas hepáticas por procionídeos dietéticos.
O trabalho enquadra-se numa disciplina científica emergente, a genética da nutrição, a qual emprega técnicas da biologia molecular, bioquímica e biologia de sistemas "para entender como os nutrientes podem interagir com as vias de sinalização intracelulares", explicou Maria Cintra Bladé, co-orientadora da tese e professora do departamento de bioquímica e biotecnologia da URV.
Na pesquisa foram utilizados procionídeos obtidos de uvas, e por isso os resultados estendem-se ao consumo de vinho, ainda que por enquanto os efeitos tenham sido constatados apenas em laboratório, e o caminho até se comprovem em testes com animais e pessoas deva ser longo.
A tese é uma nova contribuição à considerável lista de estudos científicos que atestam os benefícios de saúde do vinho, se ingerido com moderação, ou seja, em volume de 30 gramas de álcool por dia para os homens e de 20 gramas para as mulheres.De acordo com a Fundação para a Pesquisa do Vinho e Nutrição (FIVN), patrocinada pelas empresas do sector, mais de 400 estudos trataram desse tema no mundo, nos últimos anos. Pela sua composição, o vinho, consumido em quantidades moderadas, reduz significativamente os índices de mortalidade e a incidência de enfermidades cardiovasculares. Mesmo assim, os efeitos nocivos são imensos e podem ser letais, caso a bebida seja consumida em excesso. "Constatar que os procionídeos têm efeitos sobre os genes é importante, ainda assim, por representar um primeiro passo na pesquisa, e trabalhos posteriores terão de quantificar as vantagens propiciadas, porque o estudo actual foi conduzido apenas em laboratório", disse Rosa Lamuela, cientista do grupo de nutrição na Escola de Farmácia da Universidade de Barcelona. É esse o caminho que vem sendo seguido pelos pesquisadores de genética da nutrição, entre os quais se destacam os da URV, embora haja equipas de pesquisa trabalhando também em Barcelona. Valência, La Rioja e Zaragoza.
As pesquisas sobre o vinho, que no começo dos anos 90 estudavam o produto como um todo, evoluíram e agora tratam da análise dos componentes, os polifenóis, que o diferenciam de outras bebidas alcoólicas. Os interesses do sector vinícola, que gostaria de divulgar vigorosamente os benefícios de saúde do seu produto, para diferenciá-lo das demais bebidas alcoólicas, entram em confronto com a regulamentação europeia. As mais recentes normas da União Europeia (as quais, dado o seu teor de álcool, não consideram o vinho como alimento) entraram em vigor no dia 1° de Julho e proíbem, por exemplo, que a publicidade do produto mencione os benefícios de saúde.
"Mas isso não impedirá que os resultados das pesquisas, muito interessantes, sejam divulgados pelos canais de comunicação científica", disse Andreu Palou, professor titular da Universidade das Ilhas Baleares e membro do painel científico de nutrição da União Europeia. Há sempre bons motivos para beber uma taça de vinho. Mas os efeitos do produto sobre a saúde não são tão grandes a ponto de merecer promoção. É certo que, para algumas pessoas dotadas de forte auto-controlo o consumo moderado do vinho pode oferecer benefícios de saúde, mas para a população como um todo os danos que o álcool causa à saúde superam em muito os benefícios.
Caso fosse inventado um remédio que oferecesse os mesmos benefícios e os mesmos efeitos colaterais do vinho, entre os quais o risco de vício, intoxicação aguda, hipertensão, ganho de peso, elevação na presença de triglicérides, arritmia, dilatação cardiomiopática, cirrose, pancreatite e cancro no aparelho digestivo, é provável que nenhuma agência de fiscalização autorizasse a sua comercialização. E, mesmo que ela fosse autorizada, grupos de defesa dos direitos dos pacientes decerto protestariam diante da sede da empresa produtora, exigindo a sua retirada do mercado.
Os efeitos colaterais do consumo excessivo de álcool são tão frequentes e tão graves que, quando o cardiologista Valentí Fuster atende em consulta algum paciente a quem recomenda que tome um pouco de vinho, sempre pergunta qual é a quantidade que a pessoa costuma beber, e aconselha moderação caso o consumo revelado seja excessivo. Caso o paciente beba moderadamente e não haja motivos relacionados ao peso para que o consumo de álcool lhes seja proibido, é aceitável que consuma uma ou duas taças de vinho, ou uma ou duas cervejas, ao dia. Mas Fuster nunca recomenda que um paciente passe a beber vinho, caso a pessoa não tenha esse costume |