Portugueses obtêm bebida vínica com baixo teor alcoólico
A obtenção de uma bebida vínica elaborada a partir do vinho, mas com menos teor de álcool, é o objectivo de uma investigação de um grupo de investigadores portugueses, cujo resultado, segundo os mesmos, «já é promissor».
Conseguir uma «bebida vínica» de teor alcoólico inferior ao do vinho - ao abrigo da legislação portuguesa só é considerada vinho a bebida fermentada a partir de uvas com teor alcoólico superior a oito graus - é um processo iniciado em 2003 e que em 2007 obteve já «resultados satisfatórios ao nível da qualidade», disseram à agência Lusa Fernando Gonçalves, investigador do Instituto Superior Técnico (IST), e Fernão Vaz Pinto, dois dos responsáveis pelo projecto.
A intenção é obter uma bebida «de qualidade, menos tóxica, com menos calorias e mais leve do que o vinho» sem que se percam as características de «aroma, cor e sabor» daquele, sublinhou Fernão Vaz Pinto, acrescentando tratar-se de uma «investigação» em que insiste há mais de uma década, quando ainda era accionista e administrador da Quinta de Pancas Vinhos SA e para a qual contou com o apoio dos então administradores José e Joaquim de Guimarães.
Apesar da venda da Quinta de Pancas SA, a investigação manteve-se e como reunia consenso no meio académico e científico deu origem à criação da Enofisis, Estudos Enológicos Lda, vocacionada para a investigação do produto e que agora lidera um consórcio criado há quatro anos com o IST em colaboração com especialistas em Enologia do Instituto Superior de Agronomia (ISA), referiu.
Mulheres, desportistas e quem no Verão opta por bebidas «mais leves» e com «menos álcool» do que o vinho - como a cerveja -, contam-se entre os consumidores que poderão ser atraídos por esta bebida vínica.
Até porque os vinhos portugueses têm cada vez maior teor alcoólico - devido, nomeadamente, ao aumento da temperatura à escala planetária e à melhoria das técnicas vitivinícolas - , o que prejudica a saúde, pelo que a diminuição do teor alcoólico dos vinhos é uma área em que estão a ser investidas verbas avultadas em todo o Mundo, acrescenta Vaz Pinto.
França e Estados Unidos são exemplos de países onde já se produzem «vinhos de baixo teor alcoólico», acrescentando o especialista porém que, apesar de o processo em Portugal ter sido «demorado e difícil», é o que apresenta «melhores resultados por manter as características essenciais do vinho como a cor, o aroma e sabor».
«Diminuir o teor alcoólico do vinho não é difícil - pode ser feito através da evaporação do álcool a baixa pressão e temperatura, ou da interrupção da fermentação, mas este processo é contra-natura», refere Vaz Pinto.
«A dificuldade está em manter as qualidades de um vinho de 12, 13 ou 14 graus de teor de álcool numa bebida vínica de cinco, seis, sete ou mesmo oito graus, que é o que estamos a desenvolver», explica.
Uma opinião partilhada por Fernando Gonçalves, investigador do IST encarregado de diminuir a graduação alcoólica do vinho através da nanofiltração, um processo físico que «mantém o equilíbrio do triângulo álcool - acidez - taninos», permitindo obter um produto «equilibrado e de qualidade».
A nanofiltração consiste num processo físico em que o vinho é pressionado a alta carga de muitas atmosferas contra uma membrana polimérica própria para produtos alimentares, com poros de diâmetro na ordem do nanómetro (inferior a um milionésimo de milímetro).
Em consequência da pressão e da dimensão dos poros do polímero, a membrana deixa passar apenas as moléculas mais simples e mais pequenas do vinho - que Fernando Gonçalves designa como o «permeado» e que consiste nas moléculas de água e de álcool.
A nanofiltração é, segundo o investigador, uma tecnologia que, sendo utilizada já para fins industriais, só na última década começou a aplicar-se ao vinho.
Apesar de o processo se poder aplicar a quase todos os vinhos e as investigações já terem sido feitas com vinhos elaborados a partir de várias castas, os melhores resultados até agora têm sido obtidos com os «rosés», com a casta Fernão Pires, nos brancos, e com a casta Castelão, nos tintos, disse Fernando Gonçalves.
«Nos tintos há ainda algumas afinações a fazer, nomeadamente ao nível da adstringência», frisou, acrescentando que os resultados obtidos com os vinhos brancos e os «rosés» são «mais adequados à bebida leve e refrescante, com teor alcoólico entre os cinco e os sete ou oito graus, mas com as características do vinho que se pretende obter».
O processo de nanofiltração está a ser realizado na adega do Instituto Superior de Agronomia, é da responsabilidade de Fernando Gonçalves - doutorado pelo IST na área de Tecnologia de Membranas - e é acompanhado pelos professores Olga Laureano e Jorge Ricardo da Silva, do ISA, e pela professora Norberta de Pinho, do Instituto Superior Técnico.
Cerca de 250 mil euros foram despendidos, desde o início das investigações, no processo de diminuição do teor alcoólico do vinho, com o apoio da Agência de Inovação (AdI), no âmbito do Programa de Incentivos à Modernização da Economia (PRIME), referiu Fernão Vaz Pinto.
Esta tecnologia não é para aplicar a um «grand vin», sustenta Fernando Gonçalves, enquanto Vaz Pinto sublinha que também não se trata de expurgar do vinho «todo o teor alcoólico, porque se assim fosse o conceito de vinho morreria».
Quanto a uma data para se poder comercializar o produto, Fernando Gonçalves admite que até ao final deste ano ou no próximo os resultados já permitirão pensar em possibilidades de colocação no mercado, sublinhando que o custo de produção desta tecnologia «não chega aos 10 cêntimos por litro».
«O que falta mesmo encontrar é um parceiro estratégico», sustentam Fernando Gonçalves e Fernão Vaz Pinto.
Fernando Gonçalves é um dos oradores num congresso mundial que promove o debate, entre terça e quarta-feira em Vila Real, sobre temas polémicos do sector vitivinícola, nomeadamente os vinhos com baixo teor alcoólico ou a utilização das rolhas de plástico nas garrafas.
O «Infowine Fórum» é organizado por duas mulheres, Leonor Santos, licenciada em Engenharia Agrícola, e Bárbara Sistelo, licenciada em Enologia, que, em 2002, criaram a Vinideas, uma empresa ligada ao desenvolvimento enológico.
Este congresso técnico e científico de viticultura, enologia e mercado conta com a presença de cerca de 300 participantes e leva ao Douro alguns dos «melhores especialistas internacionais do sector».