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Portugal embalado para além dos fados conhecidos

Valor on-line | 28-06-2006
Dizer que os vinhos portugueses evoluíram pode parecer repetitivo, em especial quando se toma como exemplo Douro e Alentejo, as duas regiões que mais e melhor se renovaram nos últimos tempos em Portugal.
Ocorre que outras áreas aproveitaram o embalo propiciado pelas duas para buscar seu espaço no novo mapa vinícola do país - emergindo dali uma penca de belos tintos e brancos.
 
Nessa maré veio à tona a Estremadura, que, mesmo não tendo tanta tradição (salvo os conhecidos Colares e Carcavelos, hoje em vias de desaparecimento, e os brancos de Bucelas), viu surgir uma série de projetos vitoriosos, caso de Chocapalha, Pancas, e Monte d´Oiro, por exemplo. Iniciativas como essa deram novo ânimo a produtores da desacreditada Bairrada e conseguiram ressuscitar a outrora prestigiada região do Dão.
 
Os sinais de mudança nessas duas regiões têm sido evidentes, o que me motivou a estender minha estada na cidade do Porto depois da Expovinis Portugal para ver de perto um pouco do que acontecia por lá.
 
No papel, a Bairrada começou a mudar em 2003, quando novos estatutos abriram a possibilidade de se utilizar castas de fora (uma alternativa à tão depreciada Baga, variedade tinta típica local). É bem verdade que o clima da região, mais chuvoso, com forte influência do Atlântico, não ajudava muito no aspecto de maturação das uvas, ensejando vinhos ácidos e magros, o oposto do que pedem os consumidores atuais.
 
Todavia, vinhedos bem localizados e manejados com critério por produtores conscientes tiravam esse problema de letra. Exemplo é Luis Pato, o "senhor Bairrada", que sempre apostou na Baga, chegando mesmo a produzir o Quinta do Ribeirinho Pé Franco, um tinto de exceção oriundo de vinhas não enxertadas. A propósito, descontente com a mudança nos estatutos e o que ele considerou como inversão de valores, Luis Pato resolveu abandonar a Denominação de Origem Bairrada e passou a etiquetar seus vinhos como Regional Beiras.
 
Serve também como parâmetro do ótimo potencial da uva Baga (se bem trabalhada), o Quinta da Dôna, elaborado pela Quinta da Rigodeira, além do surpreendente Santa Maria, da Quinta de Foz de Arouce - ambos provenientes de vinhas velhas.
 
Ainda que o prestígio da Bairrada estivesse em declínio, um número crescente de produtores foi deixando de participar das cooperativas locais ou de vender a totalidade de suas uvas para grandes grupos, partindo para engarrafar sua produção. Vários, deles inclusive, atuando como anônimos fornecedores foram responsáveis pela fama alcançada pelos vinhos do Palace Hotel do Bussaco, orgulho da região e patrimônio de Portugal.
 
Campolargo, por exemplo, é uma propriedade familiar que tem talvez a maior área de vinhedos da região. Mas a idéia de levar vida própria demorou mais do que imaginavam: devido à burocracia portuguesa, o projeto de construir uma cantina arrojada, que teve início em 1998, só terminou em 2004, fazendo com que se perdesse um bom período de vacas gordas no mercado interno. Bem ou mal, a Campolargo foi à luta e, com uma gama respeitável de tintos e brancos, ganhou confiança, merecendo o prêmio de produtor do ano pela Revista de Vinho de Portugal em 2006.
 
Com 170 hectares de vinhas - perto de 47 já foram reconvertidas e só agora, em 2006, tudo entra em produção - divididos em mais de 25 castas diferentes, e instalações de primeira, a vinícola tem uma linha de vinhos bastante consistente, embora, a meu ver, demasiado extensa. Imagino o problema para o consumidor, já com dificuldade de memorizar tanto nome de vinho existente por aí, conseguir associar ao produtor nomes como Calda Bordaleza, Termeão, Diga? (é com ponto de interrogação mesmo) e outros. Em todo caso, vale o esforço.
 
Já na Quinta de Baixo, outra vinícola que inaugurou sua cantina há pouco (em 2002), a produção é menor e mais focada. Provenientes dos 12 hectares de vinhedos próprios, seus bairradas produzidos com casta Baga têm um estilo moderno, com bela fruta e taninos macios, sobretudo a partir de 2004, safra em que houve mudança do enólogo consultor.
 
Não necessariamente é preciso partir para estilos mais modernos para se ter tintos com boa aceitação no mercado. Mário Sérgio Nuno, da Quinta das Bágeiras, prova que é possível "amansar" a Baga se mantendo fiel às tradições bairradinas. Aliás, põe tradição nisso. Começa com seus espumantes, produto típico da região - segundo eles é a melhor combinação para o famoso leitão da Bairrada, outra especialidade local -, que são bem secos, elaborados pelo processo clássico de "remuage" e permanecem longo tempo na adega antes de ser feito o dégorgement (retirada dos sedimentos) e a conseqüente comercialização.
 
Os brancos, em particular o ótimo Garrafeira, ao invés de vinificados nas tradicionais cubas inox, iniciam a fermentação em bica aberta e a terminam em velhos tonéis de madeira. Tais procedimentos têm como resultado o que se chama de (excelente) vinho para comida.
 
Nos tintos, em termos de critério e caráter de seus vinhos, a Quinta de Bágeiras não fica para trás. A fermentação é feita em lagares, sem desengace (os bagos não são separados do engaço), de onde os vinhos seguem para estágio em antigos tonéis. O curioso é que nem por isso perdem a fruta ou têm taninos desagradáveis. Ainda assim, precisam de tempo: o garrafeira 2003, que passou um bom período em madeira, estava ótimo e os colheitas e reservas precisam de mais alguns anos de garrafa.
 
As idiossincrasias do simpático Mário Sérgio também são notadas no nome da vinícola: o acento no primeiro "a" não quer dizer que se pronuncia Bágeiras, como palavra proparoxítona - é como se fosse bagêiras - e a finalidade, segundo seu idealizador, é fazer com que se preste mais atenção ao nome. Numa vinícola onde o dono tem lá suas excentricidades não se pode esperar algo convencional. Nem consumidores.

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