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De produtora de vinho a gestora de marcas

José Maria da Fonseca vai lançar vinhos feitos à medida

Jornal de Negócios | 02-05-2007 | Geral, Economia, Outros
A José Maria da Fonseca (JMF) fez a si própria a pergunta fundamental: quais são os nossos principais activos? Resposta: as marcas, a capacidade de comercialização e a enologia.

Com essa clarificação, a empresa de 173 anos deu início, recentemente, a um novo ciclo, cujo objectivo é transformar-se numa marca internacional com produtos a preços competitivos. Valorizando o que António Soares Franco, presidente do conselho de administração da empresa de Azeitão, considera ser uma importante mais-valia nacional - a mestria em fazer "blends" de muitas castas. Algo raro no mundo dos vinhos e que, no caso português, tem ainda a particularidade de ser feito com castas ainda pouco plagiadas.

Esta é a arma que a empresa portuguesa acredita ter para vencer na "guerra" da globalização. E, para se distinguir nas prateleiras dos supermercados do mundo, a receita é afirmar a sua marca maior: a assinatura José Maria da Fonseca. "Queremos vender marcas enão apenas vinhos", diz Soares Franco. E o nome da casa produtora é a garantia de estabilidade e qualidade que, acredita, querem ter os consumidores em qualquer parte do globo.

Depois do esforço de "rebranding" da marca, iniciado no fim de 2006, a empresa prepara se agora para o estádio seguinte: criar vinhos desenhados especificamente para alguns dos seus principais mercados. O primeiro alvo é a Suécia, o maior consumidor dos vinhos da empresa de Azeitão. Um mercado onde já prevalece o chamado ABC, "anything but chardonay" (qualquer coisa menos um chardonay), uma atitude de consumo contra a crescente utilização de castas francesas por inúmeros produtores de todo o mundo.

Vinhos portugueses para modas estrangeiras
A ideia dos irmãos António e Domingos Soares Franco (este último responsável pela enologia da casa) é utilizar uvas portuguesas em vinhos feitos segundo um padrão de moda de grandes mercados alvo. Produtos de ciclos muito mais curtos, que deverão seguir a tendência de consumo rápido já visível noutros sectores de actividade. "Faremos um 'blend' único e até uma marca única para os mercados nórdicos", revela o presidente. Este conceito que será posto em prática apenas em mercados com dimensão para consumir um mínimo de 20 a 30 mil caixas do vinho feito à medida. Por isso mesmo, o outro mercado alvo já seleccionado é os EUA.

Para fazer esses vinhos "com jogo de cintura", contudo, a JMF espera poder contar também com a ajuda dos reguladores europeus que estão a estudar alterações na simplificação da rotulagem do vinho europeu e nas técnicas de vinificação que permitam aos europeus concorreram em pé de igualdade com os produtores do novo mundo.

O ideal, explica, seria que as menções obrigatórias fossem livres de incluir no rótulo ou contra-rótulo, "pois só interessam a consumidores mais minuciosos. A maior parte das pessoas não lê nada além da marca e colheita". Além disso, há práticas enológicas, como a utilização do ácido láctico, proibidas na Europa, mas autorizadas pela Organização Internacional do Vinho, que dão aos produtores do Sul uma vantagem competitiva ao permitirem fazer vinhos mais macios e frutados. Ou seja, mais ao gosto do consumidor.

Enquanto as mudanças não vêm, a JMF, para competir nos novos mercados, persegue a sua estratégia de procurar a flexibilidade no meio da rigidez europeia. O que se traduz, por exemplo, na opção de produzir sobretudo vinhos regionais, evitando os vinhos de mesa (preços baixos e margens pequenas) e os de denominação de origem controlada (altamente regulamentados). Foi essa escolha, garante Soares Franco, que permitiu a experimentação na JMF. "Só assim conseguimos plantar castas novas e inovar na produção".

Verdelho, da Austrália para Azeitão

Um exemplo do "bruá", que a empresa afirma estar frequentemente a causar no mercado, é, segundo António Soares Franco, um vinho branco da colecção Soares Franco (espécie de cartão de visita de inovação do irmão Domingos) feito com uvas verdelho, tradicionalmente cultivada na Madeira e nos Açores e que hoje já é plantada na Austrália e agora em Azeitão. "O meu irmão procurou o vinho na austrália e adorou", conta. Outra novidade, citada pelo líder da JMF, foi o lançamento de um moscatel com Armagnac, em vez da aguardente normal.

Apesar das inovações, a empresa permanece muito dependente da venda dos seus dois produtos tradicionais. O Periquita (lançado em 1850) e o Lancers (criado em 1944) são ainda hoje responsáveis por 65% da facturação. Numa tentativa de evitar a excessiva concentração sem matar "as galinhas dos ovos de ouro", as duas marcas foram recentemente "estendidas" e passaram a servir de "chapéu" para uma linha de produtos sob a mesma designação.

O Periquita ganhou tuna versão Clássico e outra, Branco. Enquanto o Lancers, uma versão Branco. Além disso, as duas marcas ostentam hoje vinhos muito distintos do que bebiam os consumidores há alguns anos. "Foram actualizados", explica. O Periquita, nascido como um varietal (castelão francês), é desde 2000 um "blend" que inclui mais duas outras castas.

Também o conhecido rosé foi "melhorado" e alterada a garrafa, nalguns mercados, com os olhos postos no mercado jovem. A moda de consumo de vinhos rosés, que está a acontecer por toda a Europa (incluindo Portugal), tem tido um efeito positivo nas vendas. Na Holanda, o crescimento do Lancers ter sido "brutal", diz. E, em Portugal, subida foi de 50%.

Comprar uvas e vender marcas

Com 75% da sua produção venda nos mercados internacionais, empresa recorre também à compra de uvas de outros produtores (mais de 200 hectares são acompanhado pela JMF) para "alimentar" as sua marcas. Uma solução que, diz António Soares Franco, permite um consolidação diferente no mercado nacional por não passar necessária mente por aquisições de terras. "Temos muitos milhões empatados em vinhas (683 hectares próprios). Se pudéssemos apenas comprar uva era muito mais cómodo."

As vinhas próprias servem, porém, para as experimentações enológicas da casa e para a produção de vinhos topo de gama, que ajudam manter viva a chama de uma marca cheia de ambições.

Depois dos ciclos do Brasil e da Lancers, a centenária casa exporta dora de vinhos nacionais aposta agora na imagem familiar para comunicar consistência e qualidade no mercado global. "A família ajuda vender", garante o filho de António. "Damos a cara pelo negócio remata o pai.


Consolidação accionista impulsionou crescimento

No início dos anos 80, Fernando Soares Franco, pai de António e Domingos (que actualmente controlam 75% do tapeei da empresa), tomou a iniciativa de separar os negócios dos dois ramos da família. A irmã de Fernando e os seus seis filhos ficaram com a maioria ou a totalidade do capital de algumas empresas, como a João Pires (hoje Bacalhoa) e a empresa de distribuição no mercado interno, e o ouro ramo ficou na posse da maioria do capital da casa mãe. Depois disso, António e Domingos voltaram a comprar acções dos primos e pretendem continuar a fazê-lo até o controle completo. A nova geração do ramo de Fernando Soares Franco compreende oito pessoas. Os dois filhos de António já estão na empresa, enquanto os de Domingos ainda estão a estudar. A família optou por regras informais de acesso, em vez de um protocolo familiar. Uma delas é que ninguém entra na empresa sem ter tido experiência noutras organizações. António Maria S. Franco, filho de António e actual director de marketing e vendas, esteve alguns anos na Procter & Gamble antes de integrara José Maria da Fonseca. A concentra ação do capital nas mãos de um dos ramos permitiu que a empresa fizesse opções difíceis e se reinventasse.

Algumas "joint-ventures" e muitas dores de cabeça

A primeira "joint-venture" da casa foi com a Heublein em 1970. A José Maria da Fonseca produzia desde 1944, a pedido da empresa norte-americana, o vinho rosé Lancers. Um fenómeno de vendas nos EUA; que já respondeu por 80% da facturação, mas cuja marca era propriedade do cliente. "Por isso 'amarrámos' os americanos com 49% do capital para que não pudessem fazer o mesmo vinho noutras partes do mundo”, recorda António Soares Franco. O negócio manteve-se até 1985, quando a participação da empresa portuguesa foi vendida aos parceiros norte-americanos. A “vingança" veio em 1996, quando a JMF retomou a posse do capitai da J. M. da Fonseca lnternacional e obteve, finalmente. os direitos da marca Lancers. Mais recentemente, em 2000, a empresa associou-se a Cristiano van Zeller no Douro, mas a parceria chegou ao fim porque as partes concluíram que tinham estratégias de negócio distintas. A JMF permanece, contudo, na região com 14 hectares, a produzir um tinto "premiam". "Para nós, o negócio só interessa se tiver a dimensão que considerarmos razoável: 20 a 40 mil caixas por ano. Temos um entendimento diferente do mercado", explica António soares Franco.

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