Vinhos: Os chineses continuam alheados de Portugal?
Só por si, o vinho não parece ter capacidade para ser suficientemente sedutor para justificar um investimento chinês. Ao vinho há que ter associado um nome, de preferência francês, idealmente de Bordéus, uma propriedade, de preferência com uma casa senhorial, uma imagem de glamour e opulência?
Quer queiramos, quer não, somos constantemente refrescados por notícias que asseguram que a China é a potência do futuro imediato e do futuro próximo, a gigantesca potência prestes a transformar-se na maior economia do mundo e num dos mercados mais ricos e prósperos.
É igualmente um dos países mais dinâmicos no investimento exterior e na compra de bens de luxo, fruto de uma liquidez generosa e impressionante que soa a extravagância num momento em que uma grande parte do mundo ocidental sofre com os efeitos de uma crise financeira de mau agoiro.
A China é grande, os recursos financeiros são aparentemente infinitos, o apetite pelo luxo ocidental é desmesurado e não paramos de descobrir que neste mundo cada vez mais global tudo é passível de ser negociado por quem detém o capital. Para além das marcas de luxo tradicionais, as de roupa, acessórios de moda, sapatos, carros, relógios e demais prosápias da moda, o vinho parece exercer uma atracção considerável sobre alguns dos numerosos novos milionários chineses. A atracção advém não só do vinho em si como dos sentimentos de tradição, cultura e elitismo patrimonial que muitas vezes lhe estão directamente associadas.
Só por si, o vinho não parece ter capacidade para ser suficientemente sedutor para justificar um investimento chinês. Ao vinho há que ter associado um nome, de preferência francês, idealmente de Bordéus, uma propriedade, de preferência com uma casa senhorial, uma imagem de glamour e opulência… mesmo que o vinho aí elaborado seja de qualidade mediana e sem um referencial histórico de qualidade excepcional. Mais do que associada ao desejo de produzir um vinho extraordinário ou a dominar os mistérios da criação do vinho, a compra de propriedades e produtores tem mais a ver com a exibição de um estatuto social, com a aquisição de um sonho do que com a cultura do vinho.
Mas o movimento parece imparável e para além de empresas eléctricas, construtores automóveis, bancos, telefónicas, cimenteiras e outros bens, os empresários chineses insistem em investir na compra de produtores de vinho. Os franceses têm sido os principais beneficiários desta tendência, que aparentemente se mantém e que se tem mantido imune aos avanços da crise. O que não impede que os preços por metro quadrado tenham vindo a baixar depois da hipérbole de preços quase escandalosos a que alguns château de terceira categoria foram transaccionados.
O primeiro a ser vendido, o Château Haut-Brisson, foi comprado no já distante ano de 1997 e a notícia na altura correu mundo. Peter Kwok, o seu proprietário actual, assegura que quando comprou a sua propriedade nunca imaginou poder vir a desfrutar de uma vizinhança tão numerosa num momento em que sessenta e três destes châteaux são já propriedade de donos chineses. Foi preciso esperar até 2008 para que novas propriedades bordalesas mudassem de proprietário para mãos chinesas.
Foi sensivelmente por essa época que a extravagância ditou uma corrida frenética para comprar novos châteaux que estivessem disponíveis… e que tivessem uma casa condigna com o que se espera do nome château. Só em 2011 foram compradas 21 destas propriedades e em 2013 foram vendidas mais vinte destas quintas. Em quase todos os episódios, as negociações implicaram que a produção de vinho se mantivesse a cargo dos antigos proprietários ou por pessoas designadas por eles para manter o estilo anterior e para assegurar as tarefas que os novos donos desconheciam e que não teriam forma de aprender por estarem ausentes durante a quase totalidade do ano.
A escolha da localização comprova que a qualidade, reputação e propriedades dos vinhos não foram as considerações primordiais para a compra das adegas. Basta reparar que a maioria dos châteaux adquiridos assenta na declaração mais genérica AOC Bordeaux, enquanto um número igualmente apreciável se estabeleceu em denominações menos prestigiadas como Cotes de Bourg, Haut Medoc, Premieres Cotes de Bordeaux, AOC Sainte Croix du Mont, AOC Entre Deux Mers ou Moulis en Medoc, entre outras.
Por ora, Bordéus continua a ser a região de eleição para estes investimentos pesados e aparentemente sem grande viabilidade económica. Nem sequer as restantes regiões francesas têm sentido procura por propriedades, mesmo em regiões de imagem imaculada como Champagne, Borgonha ou o Loire, que poderia seduzir igualmente pela parte imobiliária. E o resto da Europa, Itália, Espanha ou Portugal incluídos, também não têm experimentado uma procura excepcional de visitantes chineses ou tentativas de informação sobre eventuais desejos de investimento.
Mas a apetência existe e a Swartland Winery, um produtor sul-africano que produz cerca de 24 milhões de garrafas por ano, é a prova desse presumível interesse em apostar nos mercados exteriores, agora que 51% da empresa foi comprada por um empresário chinês magnata no negócio de segurança. Nem sequer foi o primeiro negócio no mercado sul-africano, porque muito recentemente outro produtor austral, a Val de Vie, tinha igualmente sido adquirida em 51% por uma empresa chinesa… juntamente com a casa colonial de traça holandesa e a pequena vinha em redor da casa.
Que não haja curiosidade e diligência em sondar sobre possíveis aquisições na região do Douro, onde se produz aquele que é um dos cinco grandes vinhos do mundo, o Vinho do Porto, diz um pouco sobre a falta de auréola, fascínio e reconhecimento que o Vinho do Porto sofre, pelo menos por enquanto, no mercado chinês. Seria bom conseguir vencer essa barreira.