"Vinho dos Mortos" espera colheita de 6500 garrafas
O produtor do "Vinho dos Mortos" de Boticas, que é enterrado em saibro, na adega, para ganhar novas propriedades, espera colher, este ano, cinco mil litros do "néctar subterrâneo", o equivalente a 6.500 garrafas.
O "Vinho dos Mortos", da classe de Vinho Regional Transmontano, cuja origem remonta às invasões francesas de 1808, ganhou este nome por "repousar" debaixo da terra, a uma profundidade entre sete a oito meses, antes de ser comercializado.
"É um vinho com uma graduação de 10 a 11 graus, palhete, apaladado e com algum gás natural, resultante da fermentação no escuro e a uma temperatura constante", caracterizou Armindo Sousa Pereira.
Com 65 anos, Armindo Sousa Pereira, de Boticas, no distrito de Vila Real, é o único produtor e engarrafador registado oficialmente para comercializar o "Vinho dos Mortos" que, conforme revelou hoje à agência Lusa, "tem escoamento total".
O produtor, reformado das Finanças, estima que a colheita deste ano dê 6.500 garrafas que, disse, são "todas" vendidas de norte a sul do país e levadas "além-fronteiras" pelos emigrantes e turistas que passam pela vila de Trás-os-Montes.
No mercado há cinco anos, Armindo Sousa Pereira não pensa, para já, na exportação direta porque, explicou, não tem quantidade suficiente para alargar o negócio. Tudo o que produz consegue vender em Portugal e quer "obrigar" os turistas a virem a Boticas.
"Ao não vender para o exterior, o meu objetivo é atrair até Boticas os curiosos e, assim, impulsionar a economia local", afirmou.
As encomendas, disse o viticultor, são feitas num sítio da Internet (www.vinhodosmortos.com) e chegam ao destino em 24 horas.
O "néctar do além", que continua a ser feito passado 200 anos, é também vendido no posto de turismo, restaurantes, lojas e repositório do "Vinho dos Mortos", em Boticas, edifício construído pela câmara para preservar esta tradição.
Diz-se que o segredo é a alma do negócio, mas Armindo Sousa Pereira, sem receio de plágios, revelou o "mistério" do "Vinho dos Mortos", enterrado de geração em geração: "não tem muito que se lhe diga. É só enterrar o vinho no saibro, mais nada".
Depois de engarrafar o vinho, o produtor enterra as garrafas em saibro, na adega herdada dos avós, datada de 1972, que foi recuperada, alargada e adaptada às novas exigências.
O vinho só volta a ver a luz do dia nos meses de julho e agosto, início da venda ao público.
Quando em 1807 as tropas francesas, comandadas pelo general Soult, invadiram pela segunda vez Portugal, o povo, para evitar as pilhagens, escondeu os seus bens alimentares, enterrando-os.
Mais tarde, depois dos franceses serem expulsos, os habitantes recuperaram as suas casas e os bens que restaram e, ao desenterrarem o vinho, julgaram-no estragado, mas estava muito mais "saboroso" porque "tinha adquirido propriedades novas".
O viticultor transformou em negócio o saber que herdou dos avós e dos pais, dos quais se recorda sempre terem vendido "Vinho dos Mortos" num pequeno comércio que tinham no centro da vila. Agora, espera que os seus dois filhos não o deixem sucumbir.