Mais do que de família, vinho é assunto de mulheres
A mulher que toma conta das vinhas de Fernando Pó é licenciada em Serviço Social. Abandonou tudo pelo negócio.
O slogan da Casa Ermelinda Freitas fala por si: "Assuntos de família." Vinca 90 anos de produção de vinho que passou de geração em geração, com uma tão forte ligação à terra que, até no dia em que Manuel João de Freitas partiu do mundo dos vivos, a filha não teve coragem de vender as vinhas de Fernando Pó (Palmela). "Seria uma traição à família", considera. Deitou mãos à obra, largou o Ministério da Saúde, abdicou das férias e da vida estável, mas segurou o negócio iniciado pelos avós em 1920. Hoje exibe um império vitivinícola. Assume que há 17 anos não pensava chegar tão longe e receia não ter tempo para fazer tudo o que quer.
Foi por ter assistido ao "esforço" que os pais realizaram na produção de vinho ao longo de tantos anos que Leonor Freitas decidiu não entregar as "origens". Ermelinda Freitas, a mãe que dá o nome à casa, ganhou estatuto como produtora e engarrafadora, apoiada pelo marido, mas também pela avó Germana. Haviam de ficar as três mulheres à frente da herdade, após a morte prematura de Manuel João.
Há 17 anos, com 60 hectares de vinha e apenas duas castas (Castelão e Fernando Pires), a aposta das três gerações visava apenas manter o negócio. Leonor, hoje com 58 anos, licenciada em Serviço Social, passou a dividir a vida profissional entre o Ministério da Saúde e as vinhas. "O mínimo que trabalhava diariamente era 12 horas e tive de deixar o Estado", recorda. Em 1997, a casa dá um salto muito significativo, depois do abandono da venda de vinho a granel, apostando no vinho engarrafado. Uma mudança que se revelou determinante.
Como em tantas outras empresas familiares, a criação de uma marca própria revelou-se igualmente um trampolim no mercado. Seguiu-se a compra de terras, a plantação de novas vinhas e a criação de uma adega apetrechada com o "último grito" de tecnologia - combinando moderno e tradicional - integrando no mesmo edifício um conjunto de áreas: produção, estágio em barricas de carvalho e engarrafamento de vinhos.
"Em 2002 tivemos mesmo de investir e crescer, porque fiquei muito assustada quando os nossos vendedores não precisavam de vinho, porque tinha havido um grande crescimento", recorda, congratulando-se com aposta na diversificação de vinhas. "Às vezes, as crises também nos ensinam coisas", nota. Hoje, detém um total de 240 hectares com mais de uma dezena de castas, onde continua bem vivo o Castelão (conhecida na zona como Periquita) plantado pelo pai. "É o nosso bebé, de onde retiramos o Leo d'Honor."
Os prémios nacionais e internacionais distribuídos pelas estantes atestam a qualidade que por aqui se produz e se foi aperfeiçoando. Destaca-se o título de Melhor Tinto do Mundo, quando o Syrah 2005 conquistou o concurso dos enólogos Vinalies Internationales 2008 em Paris, numa prova cega. Leonor Freitas admite ser um reflexo do investimento nas pessoas que acrescentaram mais-valia à casa.
"Eu sabia que não sabia nada e fui buscar as pessoas certas, como o enólogo Jaime Quendera. Percebi que isto está sempre em mudança e exige grande actualização para sermos competitivos e conquistar mercado", sublinha, numa altura em que o mercado internacional merece prioridade. Exporta 40% da produção, mas quer aumentá-la. "Não é fácil, mas a motivação é a base de tudo. Eu já fiz coisas para as quais pensava não estar preparada", diz, revelando que neste sector o futuro se projecta a cinco anos. "Ainda quero fazer coisas e não sei se vou ter tempo para isso." Seja como for, tem seguidora. A filha Joana tirou Gestão e programou toda a sua vida académica em função da Casa Ermelinda Freitas. As mulheres vão continuar a liderar em Fernando Pó.