"Este país não gosta de calçar galochas"
Quinta do Douro resiste à crise fruto de uma política de investimento controlado aplicada durante 15 anos. Sócio explica como, num sector tão competititvo, equilibrou a qualidade de um vinho premiado e os recursos.
"Não é preciso ser economista: podemos viver durante algum tempo a ganhar 500 euros, gastando 510. Podemos viver assim durante um período transitório, mas nunca podemos fazer disto lógica de funcionamento. Como fizemos, e fizemos durante muito tempo, esta crise era só uma questão de tempo."
O diagnóstico é de Frederico Meireles, enólogo responsável pelo vinho duriense Grambeira, marca produzida numa adega de Carrazeda de Ansiães, no mercado há 15 anos, várias vezes premiada, e para quem a austeridade anunciada não será perniciosa ao negócio. Porquê? Porque, desde o início, em 1995, esta sociedade de três irmãos optou por fazer aquilo que quem governa o país não teve capacidade para fazer: controlar a dívida.
"Fomos investindo todos os anos, mas sempre de forma moderada, nunca tivemos ideias megalómanas, megaprojectos baseados nos fundos europeus que então abundavam. As nossas contas foram sempre feitas com base na nossa capacidade de financiamento e nunca com base naqueles 40% a fundo perdido. A nossa principal preocupação era apurar a qualidade e controlar o custo do dinheiro que pedíamos emprestado".
Este raciocínio, que parece elementar, é de tal forma fora do que foi comum na última década, que Frederico Meireles teve dificuldade em ver aprovado o projecto que candidatou aos tais fundos. "Optei por viver aqui contra ventos e marés. O Alto Douro Vinhateiro, onde estamos, tem dois segmentos de mercado: o vinho e o turismo ligado ao vinho. Atendendo à minha formação, decidi pegar na agricultura tradicional desenvolvida pelos meus pais (de onde resultavam vinhos aceitáveis, mas apenas para o mercado local) e reestruturá-la, melhorar as castas, adequá-las ao que o mercado pedia, instalar mecanismos de controlo de qualidade para ombrear com o que de melhor se faz no Mundo".
Não se trata de teoria que soará bem, mas "de trabalho, muito, e humilde, de meter a mão na massa, coisa que não é muito portuguesa, porque o português gosta mais de gabinetes do que que de calçar galochas", critica. O projecto passava, portanto, por "começar de dentro para fora, quando a maioria começa de fora para dentro. Queria investir tudo em equipamento, na essência do produto e nada no edifício". Conseguiu aprovar o projecto, mas não sem dificuldade em explicar o seu ponto de vista. "Para fazer vinho, preciso de excelentes uvas e de tecnologia que potencie essa qualidade e não de um edifício bonito".
No edifício bonito vai investir só agora - no edifício e na internacionalização -, 15 anos depois de ter começado e com muitos prémios já ganhos. Tantos que, diz, "deixei de concorrer". Também porque concorrer é caro. "Uma feira em Bordéus não se faz por menos de 13 mil euros. Candidatar uma referência a concurso custa 200 euros". E ele já não precisa disso, "o passa-a-palavra basta para conseguir escoar as cerca de 100 mil garrafas de marca única, branco e tinto, que produz por ano."
Mesmo assim, Frederico não é indiferente à crise. "Psicologicamente abala sempre, faz-nos ter mais conversas com o travesseiro. Será arriscado investir? É sempre esta a pergunta. Mas não podemos parar", diz. E volta ao início, ao seguro que fez contra um momento que sabia que haveria de chegar. "Era demasiado evidente que íamos chegar aqui. Nenhum de nós está satisfeito, mas se esta crise não acontecesse, teríamos de reciclar não só os manuais de economia, mas também os da ética. Só os políticos não viram isto."
O Grambeira está a caminho do Canadá. E já recebe encomendas do Mundo todo. "Cortar nas despesas? Sempre cortei."