Quinta do Carmo: uma quinta e uma marca
João Paulo Martins | Revista Única do Expresso de 23 de Janeiro de 2010) | 27-01-2010 |
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Esta propriedade alentejana tem uma grande história para contar. Os rótulos começam nos anos 70 e vêm até à actualidade.
Localizada perto de Estremoz, a quinta surpreende o visitante pela belíssima traça da enorme casa e pelo espaço envolvente. É, na minha opinião, a que melhor reproduz o conceito bordalês de Château, com a adega por perto e uma ideia de luxo rural de bom gosto.
A marca Quinta do Carmo pertence hoje à Bacalhôa Vinhos feita com vinhos que não provêm da quinta e os vinhos da quinta propriamente dita passaram a ter a designação Dona Maria. É confuso mas é a consequência de negócios em que o "peso" de uma marca se sobrepõe à origem do vinho. A quinta é muito antiga (séc. XVIII) e um dos seus proprietários, John Reynolds - que já era dono da Herdade do Mouchão - ficou na posse da quinta por ter casado com Isabel d'Andrade Bastos. O actual proprietário, Júlio Bastos, é descendente desta família. A história dos Reynolds do Mouchão vem bem documentada no livro "Memórias do Vinho", de Maria João de Almeida e Paulo Laureano.
Da ligação familiar Mouchão/Carmo resultou também o uso comum da casta Alicante Bouschet, durante décadas apenas plantada nestas propriedades e é hoje, assumidamente, uma das boas variedades alentejanas. Os vinhos Quinta do Carmo só começaram a ter maior notoriedade nos anos 80 quando João Portugal Ramos (JPR) assumiu a condução enológica. Antes não ostentavam sequer data de colheita, como é o caso do rótulo mais antigo aqui reproduzido. Sugiram então os famosos Garrafeira, ainda hoje passíveis de compra, principalmente em leilão. No início dos anos 90 foi feita uma associação com a família Rothschild (Lafite), saiu JPR, foi arrancado o Alicante Bouschet, tida como casta menor (o que é verdade em França) e os vinhos perderam brilho. À força do arranque das antigas e das plantações novas, vulgarizou-se o vinho mas, mais recentemente, voltou a plantar-se Alicante Bouschet, quando finalmente se percebeu que a casta tem particularidades na planície que não tem no sul da França, de onde é originária.
Os Rothschild fizeram, entretanto, uma associação com Joe Berardo (que comprou a parte de Júlio Bastos) mas o dono da Bacalhôa comprou finalmente a parte dos franceses que, assim, abandonaram o projecto. A marca, essa, continua, com vinhos produzidos na zona de Estremoz, com um branco de grande aceitação no mercado (PVP €8), um tinto que não tem hoje a procura que teve (2005 - PVP €11) e um Reserva (2005 - PVP €30) que nasceu no ano 2000 e que mostra o estilo francês (ou bordalês) de fazer vinho, com barricas excelentes, algumas notas animais à mistura mas com muita finura.
Faltavam dois dias para o Natal quando participei numa prova vertical de Quinta do Carmo com uma particularidade curiosa: todos os vinhos foram provados em garrafa normal e magnum (litro e meio). Faz todo o sentido uma prova assim porque a evolução em magnum é mais lenta e isso favorece os vinhos antigos (já que nos novos não se nota diferença significativa). Neste caso, e salvo o Garrafeira 87, as diferenças, estranhamente, foram mínimas o que nos diz quer não haverá grande diferença entre a prova nos dois formatos. Resultados da prova? Um 87 grandioso, 88 e 89 em perfeito estado de saúde e, de seguida, um longo período de vinhos menos conseguidos (mas com saúde), resultantes das vinhas muito novas: 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 2000, 01 e 02. A partir de 2003 a qualidade volta a subir e os Reserva (que começaram em 2000) são vinhos de bom porte.