Vinho biológico repousa ao som de canto gregoriano
Vinhos biológicos produzidos por uma empresa portuguesa repousam, em barricas de madeira e garrafas, ao som de música. Uma forma pouco habitual de influenciar a qualidade do vinho.
Quando as portas da Casa do Vinho se abrem, junto ao hotel rural da Herdade de Cadouços, em Abrantes, a atenção dos visitantes fica imediatamente refém de sons arrastados, bem característicos do canto gregoriano. Afinal, é ao som desta música que repousam, em barricas de madeira e garrafas, os vinhos biológicos produzidos por uma empresa portuguesa recentemente considerada uma das mais inovadoras do mundo, num concurso internacional realizado em Londres ("The Wine Inovation Awards").
"A melodia, a palavra, influencia o líquido. E como nós pretendemos que o apreciador de vinhos se sinta tranquilo, bem-disposto, quando consome os nossos produtos, procuramos transmitir isso aos nossos vinhos", diz Ana Cristina Ventura, gestora da exploração, garantindo que o som que sai das colunas estrategicamente colocadas naquele espaço não serve apenas para "dar ambiente".
Uma iniciativa semelhante foi realizada em Itália, com resultados positivos, pelo produtor Carlo Cignozzi, que com o apoio da Universidade de Florença realizou uma experiência pioneira, utilizando peças de compositores de música clássica, como Mozart, Vivaldi e Mahler, para, através da "harmonia musical", influenciar o crescimento das uvas e a qualidade do vinho produzido.
Ana Cristina Ventura refere que existem vários estudos internacionais que comprovam a "influência da música na água e nas plantas", sendo que a opção pelo canto gregoriano na Herdade de Cadouços, numa altura em que os vinhos entram na fase de estágio, tem por objectivo criar um "ambiente de harmonia e interioridade" capaz de se reflectir positivamente no produto final.
Para além da música, na "casa do vinho", a temperatura e a humidade são controladas, tal como sucede com a entrada de luz solar. Os vinhos estagiam em barricas de carvalho americano e francês, por períodos superiores a seis meses. Tudo para proporcionar uma "interioridade espiritual" às três marcas de vinho produzidas na Herdade de Cadouços, nas quais o Yes We Can - cujas cerca de 15 mil garrafas começaram por ser direccionadas apenas para os mercados externos, particularmente Estados Unidos, Canadá e Brasil, já estando à venda também em Portugal - ganhou lugar de relevo. Isto apesar de o "Memorium Natur Reserva" ser considerado o topo de gama.
À excepção dos sulfitos, não existe qualquer manipulação química dos vinhos produzidos na exploração, todos eles provenientes de 52 hectares de vinhas biológicas. "Estamos em perfeita sintonia com a natureza. Se chegarmos à conclusão de que as uvas não têm qualidade suficiente, nem sequer fazemos as vindimas. Ou seja, a uva vai toda para o chão, nem sequer é aproveitada para vinho a granel... nada". Ana Cristina Ventura explica que a aposta no biológico se estende a todo o processo produtivo, incluindo a utilização de rolhas de cortiça natural, sem recurso a cápsulas de alumínio, ró-tulos de papel ecológico e tintas vegetais. Até as garrafas são "mais leves" que as tradicionais, como "contributo" para a diminuição das emissões de carbono nos transportes.
"Apostamos na qualidade e na inovação em todo o processo, com o objectivo de apresentarmos no mercado um produto diferente, interessante e inovador", sublinha a gestora da empresa.
Situada no lugar de Água Travessa, a propriedade estende-se por cerca de 600 hectares, abrangendo vastas áreas de montado de sobro e oito albufeiras, sendo também aproveitada como enoturismo, aliando "o aspecto típico e rústico ao conforto da vida no campo".
Para além dos vinhos, os vi- sitantes são também convidados a efectuar circuitos de observa-ção de animais, como águias, gaviões e diversas aves migratórias, e a provar os produtos regionais, em que compotas, licores e azeites ganham lugar de destaque. A empresa anunciou este ano o projecto de construção de um hotel de cinco estrelas, de um campo de golfe com 18 buracos e de diversas moradias em pontos estratégicos da exploração, como vinhas e lagoas.
Desde 2008 que esta unidade é recomendada pelo Guia Michelin como "turismo de qualidade".