Cristiano Van Zeller. Um alfaiate a fazer vinhos para inglês elogiar
É um dos Douro Boys, grupo de elite da região. Um vinho seu acabou de receber nota máxima numa das melhores revistas do mundo. Mais uma vez. Fomos à sua quinta tentar perceber o segredo.
Do tio Luís herdou a paixão pelo vinho e pela vida, e porventura o aspecto físico. "Era um grande provador, era enorme, tinha uma barba... era um homem muito culto, tenho muitas saudades dele [morreu com 47 anos]", confidencia Cristiano Van Zeller, um dos enólogos mais reputados do Douro e que viu recentemente um dos seus vinhos receber nota máxima pela reputada revista "Wine Advocate".
Para o tio Luís não havia meias garrafas. "Meias? Só as de calçar", dizia. E também não bebia vinho branco, só tintos. "O branco entra branco e sai branco. Já o tinto entra tinto e sai branco, o que quer dizer que fica cá qualquer coisa", era a explicação que dava. Cristiano Van Zeller diz que é preciso ter esta perspectiva emocional, porque é isso que valoriza o produto.
Há sete gerações que a família Van Zeller está no negócio do vinho do Porto, até que em 1993 vendeu a Quinta do Noval ao grupo segurador francês Axa. Mas antes de dar o salto por sua conta e risco Cristiano Van Zeller foi trabalhar para a Quinta do Rasto. Dois anos depois comprou a Quinta do Vale da Mina e, em 1996, a Quinta do Vale Dona Maria, com vinhas com mais de 50 anos. Cristiano Van Zeller passou então a dedicar- -se quase em exclusivo ao negócio próprio de vinhos do Douro e Porto, apoiado pelas enólogas Sandra Tavares da Silva e Joana Pinhão.
"Desde que plantamos uma vinha até produzirmos o vinho que idealizamos podem passar 25 ou 30 anos". É uma geração, pois é, e "quem pensar noutros termos e noutra dimensão está no sítio errado", afirma o enólogo, que não gosta de ouvir dizer que tem em mãos um negócio de autor. Detesta, porque "não somos artistas ou escritores", no máximo, "já que cada vinha, cada canto consegue produzir coisas diferenciadas, é um negócio de alfaiate".
atrás de perdizes Cristiano Van Zeller confessa que gosta de dinheiro, mas agarra o negócio com paixão. "O que faço tem de ter algum sentido, seja ele qual for. Não faço isto pelo dinheiro senão não estava aqui. É uma paixão pela forma de estar, pela região, as montanhas e os cheiros. Sou caçador e perco-me no meio das estevas atrás das perdizes, a olhar para a paisagem e esvaziar a cabeça. É, talvez, uma perspectiva errada do negócio, mas não do meu", diz.
Na Quinta do Vale Dona Maria, em São João da Pesqueira, nos 15 hectares de vinha ao longo do rio Torto, há uma grande variedade de castas (tinta amarela, rufete, tinta barroca, tinta roriz, touriga franca, touriga nacional e sousão, entre outras) e o enólogo tem vindo a comprar e arrendar parcelas junto à sua propriedade. Este ano quer chegar às 120 mil garrafas, entre tintos (em 2009 foram 80 mil), brancos e vinho do Porto. "O negócio dos vinhos do Douro não sobrevive sem vinho do Porto. Por isso vejo uma parte do meu crescimento à custa deste vinho, que hoje representa 10% das vendas, mas a ambição é chegar aos 30%", revela.
O Douro boy Cristiano Van Zeller é um dos cinco enólogos que fizeram uma "revolução tranquila" na região duriense, porque "o Douro tem mais para oferecer além do vinho do Porto". Douro Boys foi a alcunha escolhida por um jornalista estrangeiro de visita à região e "o nome pegou". Os outros quatro são Dirk Niepoort, Francisco Olazabal, Tomás Roquette e Francisco Ferreira.
Segundo Van Zeller, o movimento Douro Boys, no princípio dos anos 90, "surgiu naturalmente" e "enquanto associação organizada nasce da constatação dessa vontade de dar visibilidade a uma cooperação que existia. E para nos divertirmos também." O certo é que os Douro Boys levaram o nome da região longe e os seus vinhos de mesa acumularam boas pontuações. "Estamos permanentemente em contacto com tudo o que é imprensa estrangeira, fazemos provas em vários países, levamos a bandeira do Douro e os nossos vinhos, em conjunto, pelo mundo fora", conta.
Os Douro Boys mostram que existe dimensão e massa crítica na região. E Cristiano atira de seguida: "Da colheita de 2000 até agora, ressalvando portos, madeiras e moscatéis, mais de 80 por cento de vinhos com mais 90 pontos são Douro e metade dos Douro Boys. Isso já dá uma ideia da dimensão do motor, agora o motor não pode ser só este. A imagem internacional dos vinhos do Douro foi feita pelos Douro Boys e contribui para a reputação do vinho português."